sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Nação e o Objetivo Final da Nação, Corneliu Zelea Codreanu



NAÇÃO

Quando dizemos a nação romena, entendemos não apenas todos os romenos que vivem no mesmo território, têm o mesmo passado e o mesmo futuro, o mesmo porto, a mesma língua, os mesmos interesses presentes.

Quando dizemos a nação romena, queremos dizer: todos os romenos vivos e mortos, que viveram nesta terra desde o início da história e que viverão no futuro.

A nação inclui: 
  1. Todos os romenos que estão vivos. 
  2. Todas as almas dos mortos e os túmulos dos nossos ancestrais. 
  3. Todos aqueles que nascerão romenos.  
Um povo atinge a consciência de si mesmo quando atinge a consciência desse todo, não apenas de seus interesses.

A nação tem:
  1. Uma herança física e biológica: carne e sangue. 
  2. Um patrimônio material: a terra do país e suas riquezas. 
  3. Uma herança espiritual, que inclui:
    a. Sua concepção de Deus, do mundo e da vida. Essa concepção forma um domínio, uma propriedade espiritual. Os limites desse campo são fixados pelas bordas brilhantes de sua concepção. É uma terra do espírito nacional, a terra de suas visões, obtida por revelação e por seu próprio esforço.
    b. Sua honra brilha na medida em que a nação foi capaz de se conformar, em sua existência histórica, às normas emanadas de sua concepção de Deus, do mundo e da vida.
    c. A sua cultura: fruto da sua vida, fruto do seu próprio esforço no campo do pensamento e da arte. Essa cultura não é internacional. É a expressão do gênio nacional, do sangue. A cultura é internacional em brilho, mas nacional em origem. Alguém fez uma bela comparação: tanto o pão quanto o trigo podem ser internacionais como bens de consumo, mas levarão o selo da terra em que nasceram em todos os lugares.
Todos esses três patrimônios têm sua importância. Uma nação deve defender todos eles. Mas o maior significado tem sua herança espiritual, porque somente ela traz o selo da eternidade, somente ela atravessa todas as idades.

Os antigos gregos não viviam por seu físico, não importa o quão atléticos - apenas cinzas restavam deles - nem pelas riquezas materiais, se as possuíam, mas por sua cultura.

Uma nação vive para sempre por meio de sua concepção, honra e cultura. É por isso que os líderes das nações devem julgar e agir não apenas de acordo com os interesses físicos ou materiais da nação, mas levando em consideração sua linha de honra histórica, os interesses eternos. Portanto, não pão a qualquer preço, mas honra a qualquer preço. 

O OBJETIVO FINAL DA NAÇÃO

É a vida? 

Se for vida, não importa quais meios as nações usam para protegê-la. Todos são bons, até os piores. 

Então surge a pergunta: depois de que as nações são governadas em relação a outras nações? Depois do animal neles? Depois do tigre neles? De acordo com a lei dos peixes do mar ou das feras da floresta? 

O objetivo final não é a vida. Mas a ressurreição. A ressurreição dos gentios em nome do Salvador Jesus Cristo. Criação, cultura, é apenas um meio, não um objetivo, como se acredita, para alcançar esta ressurreição. É fruto do talento que Deus plantou em nossa nação, pelo qual devemos ser responsáveis. Haverá um tempo em que todas as nações da terra serão ressuscitadas, com todos os mortos e todos os seus reis e imperadores. Tendo cada nação seu lugar diante do trono de Deus. Este momento final, a “ressurreição dos mortos”, é a meta mais elevada e mais sublime para a qual uma nação pode se elevar.

A nação é, portanto, uma entidade que prolonga sua vida além da terra. As nações são realidades no outro mundo também, não apenas neste mundo.

São João, contando o que vê além da terra, diz: 

“A cidade não precisa do sol ou da lua para iluminá-la; pois a glória de Deus a ilumina, e sua luz é o Cordeiro. As nações andarão em sua luz, e os reis da terra trarão sua glória e honra a ela.” (Apocalipse, 21, 23-34) 

E em outra parte: “Quem não temerá, ó Senhor, e não glorificará o Teu nome? Pois Tu és santo, e todas as nações virão e se prostrarão diante de Ti; porque os Teus julgamentos são manifestos.” (Apocalipse, 15, 4) 

Para nós, os romenos, nossa nação, como qualquer outra nação do mundo, Deus nos deu uma missão. Deus decidiu um destino histórico para nós.

A primeira lei que uma nação deve seguir é seguir a linha deste destino, cumprindo a missão que lhe foi confiada.

Nosso povo não se desarmou nem desertou de sua missão, por mais difícil e longo que tenha sido seu Caminho do Gólgota. E agora obstáculos tão altos quanto montanhas surgem diante de nós. Seremos nós a geração fraca e covarde, a largar de nossas mãos, sob a pressão das ameaças, a linha do destino romeno e a deixar a nossa missão como nação no mundo?
 



Indivíduo, Coletividade Nacional e Nação, Corneliu Zelea Codreanu

 

Os “direitos humanos” são limitados não apenas pelos direitos de outra pessoa, mas também por outros direitos. Porque existem três entidades distintas:

  1. O indivíduo. 
  2. A coletividade nacional atual, ou seja, a totalidade de indivíduos de uma mesma nação, vivendo em um determinado Estado em um determinado momento. 
  3. A nação, aquela entidade histórica que vive ao longo dos séculos com suas raízes nas brumas do tempo e um futuro infinito.

Um novo grande erro da democracia baseada nos “direitos humanos” é reconhecer e se interessar por apenas uma dessas três entidades: o indivíduo. Ele negligencia ou zomba do segundo e nega o terceiro.

Todas as três têm seus direitos e deveres. O direito de viver. E o dever de não comprometer o direito à vida dos outros dois.

A democracia preocupa-se apenas em garantir os direitos do indivíduo. É por isso que estamos testemunhando uma formidável reviravolta na democracia. O indivíduo acredita que pode usurpar com seus direitos ilimitados os direitos de toda a comunidade, os quais ele pode violar e esfolar. É por isso que estamos testemunhando, em uma democracia, esse quadro comovente, essa anarquia, em que o indivíduo não quer admitir nada além de seu interesse pessoal.

Por sua vez, a coletividade nacional tem uma tendência permanente de sacrificar o futuro - os direitos da nação - por seus interesses presentes.

É por isso que estamos testemunhando a exploração implacável ou mesmo a alienação de florestas, minas, petróleo, esquecendo que virão depois de nós centenas de gerações romenas, os filhos de nossos filhos, que também esperam viver, continuando a vida da nação. 

Esta convulsão, esta ruptura de relações a que a democracia deu origem, constitui uma verdadeira anarquia, uma abolição da ordem natural e é uma das principais causas do estado de turbulência da sociedade atual.

A harmonia só pode ser restaurada restaurando a ordem natural. O indivíduo deve estar subordinado à entidade superior, a coletividade nacional, e esta deve estar subordinada à nação.

Os “direitos humanos” não são mais ilimitados, eles são limitados pelos direitos da comunidade nacional e seus direitos são limitados pelos direitos da nação. 

Por fim, parece que, em uma democracia, pelo menos o indivíduo, carregado de tantos direitos, vive maravilhosamente. Na realidade, porém - e aqui está a tragédia final da democracia - o indivíduo não tem direito, porque nos perguntamos: onde está a liberdade de reunião, onde está a liberdade de escrever, onde está a liberdade de consciência? Ele vive sob o terror, fortemente sitiado, censurado, com milhares de presos e pessoas mortas por sua fé, como no tempo dos governantes mais tirânicos dos povos.

Onde está o "direito da multidão soberana" de decidir o seu destino, quando as manifestações são proibidas e dezenas de milhares de pessoas são detidas, maltratadas, ameaçadas de morte, mortas?

Você dirá: sim, mas eles querem mudar a constituição, restringir as liberdades, entronizar outra forma de Estado! 

Eu pergunto: pode a democracia alegar que um povo não é livre e não pode decidir seu próprio destino para mudar sua constituição, para mudar a forma do Estado, como ele deseja, para viver em liberdade maior ou menor, se ele quiser? 

Está é a tragédia final.

Na realidade, em uma democracia, o homem não tem direito. No entanto, não os perdeu nem em benefício da comunidade nacional nem da nação, mas em benefício de uma casta político-financeira de banqueiros e agentes eleitorais.

Finalmente, a última beneficência para o indivíduo. A democracia maçônica, por meio de uma perfídia sem paralelo, torna-se o apóstolo da paz na terra. Mas, ao mesmo tempo, proclama guerra entre os homens e Deus.

“Paz entre os homens” e guerra contra Deus.

A perfídia consiste em usar as palavras do Salvador:

“Paz entre os homens”, tornando-se então o apóstolo da “paz”, e condenando-o e odiando-o como o inimigo da humanidade. E, por fim, a perfídia consiste em fingir que quer defender a vida das pessoas, enquanto, na realidade, conduzem à perda de vidas. Fingindo querer protegê-los da morte pela guerra, eles não fazem nada além de atingir o objetivo diabólico de condená-los à morte eterna.  

Amor, Ordem e Progresso, Julio Castilhos



A educação cívica pela dignidade pessoal e pela voluntária subordinação das classes dirigidas às classes diretoras é a maior de todas as exigências do sistema republicano. 

A correta colaboração de todos os cidadãos nos negócios públicos é o seu mais patriótico dever e a base mais segura de todo mecanismo governamental. 

O respeito mútuo da sociedade para com os diretores dos seus destinos e o da autoridade para com as legítimas e sinceras manifestações da opinião, constituem o fundamento primordial da ordem e o único meio de desenvolvimento do progresso. 

Muito mais no sistema republicano do que no monárquico é mister que se desenvolvam no seio da sociedade os sentimentos nobres de veneração e tolerância, únicos que podem, pelo abafamento das paixões inferiores, garantir a paz e a felicidade das nações.

Se não estavam aparentemente desenvolvidas estas qualidades no espírito do povo brasileiro, elas ali repousavam em estado latente e revelaram-se de um modo espontâneo nas duas grandes revoluções - de 13 de maio e de 15 de novembro. 

O amor por princípio, a ordem por base, o progresso por fim - já não são somente um postulado político à espera de aplicação prática, são a divisa do grande povo da América do Sul que, ao findar o século XIX, revelou-se como uma luminosa aparição profética. 

O sentimento inquebrantável de fraternidade que presidiu as duas grandes revoluções, a veneração mantida pelos patriotas em relação à pessoa do chefe do Estado, no momento em que, para o bem da pátria, era ele privado da direção suprema que não mais podia permanecer nas suas mãos, o modo digno e alto sentimento altruísta com que este povo abriu mão da propriedade servil, o empenho com que, no dia 15 de novembro evitou-se o derramamento de sangue, só podem ser traduzidos por esta palavra - fraternidade. 

Eis o - amor - servindo de regulador dos nossos grandes atos nacionais. 

A ordem por base! 

As duas grandes revoluções não alteraram sequer por 24 horas a ordem pública, e o governo ditatorial, que provisoriamente nos rege, está demonstrando, e fê-lo mesmo na hora gloriosa da revolução, que seu maior empenho é garantir o sossego e a paz aos brasileiros. O progresso por fim... 

De posse da administração dos negócios públicos há tão poucos dias, não poderemos apresentar desde já grandes atos, que traduzam nossas patrióticas intenções. 

Todavia, no que diz respeito ao progresso moral, já é público e notório o pensamento do governo a respeito da breve decretação de várias medidas que assegurem a mais ampla liberdade espiritual. 

No que se relaciona com o progresso material, estamos procurando, desde já, vencer as enormes dificuldades que nos legaram os últimos governos da monarquia pelo esbanjamento das rendas públicas, a fim de obtermos meios de ação por uma mais judiciosa organização financeira. 

Os nossos antecessores no governo, principalmente no que se refere a este Estado do Rio Grande, haviam decretado e contratado obras em valor superior à nossa renda anual, quando ela nem chegava para as despesas ordinárias. 

Contavam talvez com empréstimos vantajosos, nós, porém, precisamos ter muito cuidado em recorrer a eles, antes de bem observar e estudar o que podem produzir os nossos próprios recursos nesta época. 

O artigo toma por mote o lema contista do “amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim” para analisar os propósitos e as ações do governo republicano. 

terça-feira, 27 de setembro de 2022

Sobre o Conceito do Estado, Primo de Rivera, 1933

 

O sr. Gil Robles: 

Com esta Constituição não é possível governar, pois os Tribunais Constituintes, impulsionados por uma ânsia ultraparlamentar e ultrademocrática, fizeram um instrumento de Governo repleto de dificuldades, e nestes momentos em que a corrente antidemocrática e antiparlamentar está conquistando seguidores em todo o mundo, esforçando-se para manter uma Constituição desse tipo só levará a uma solução: uma ditadura de esquerda ou uma ditadura da direita, que eu não quero para a minha Pátria, porque é a pior das soluções que poderíamos pensar. (O sr. Primo de Rivera: "Esquerda ou direita é uma solução ruim. Uma integral, autoritária é uma boa solução.") Não acho necessário discutir com ninguém no momento, muito menos com pessoas que eu estimo tanto quanto o senhor deputado Primo de Rivera, a conveniência de uma ditadura de esquerda ou de direita, nem as soluções venturosas de uma ditadura de um tipo nacional. Eu sei onde senhores vão e estão indo, e eu tenho que dizer para que possa servir como um aviso para todos nós, que muitos espanhóis estão marchando ao longo deste caminho, e que a ideia está conquistando as gerações jovens; mas eu, com todo o respeito à ideia e àqueles que a apoiam, tenho a dizer com toda sinceridade que não posso compartilhar essa ideologia, porque para mim um regime que se baseia em um conceito panteísta da divinização do Estado e na anulação da personalidade individual, que é contrária até mesmo aos princípios religiosos em que se baseia minha política, ela nunca poderá estar no meu programa, e contra ela eu levantarei minha voz, mesmo que seja de mente semelhante e amigos meus que carregam no alto essa bandeira. 

(Aplausos altos no centro)

O sr. Primo de Rivera:

Permita-me, senhoras e senhores – e estas primeiras palavras servem como desculpa e saudação – para participar de uma discussão na qual eu não esperava fazer-me ouvir hoje, para deixar claro, com a mesma publicidade que cercou as palavras, sempre tão precisa e tão hábil, do senhor deputado Gil Robles, algo que poderia parecer uma imputação ideológica para um jovem ao qual ele aludiu e do qual talvez eu tenha algum título para me considerar parte.

O senhor deputado Gil Robles disse que uma ditadura de direita é uma má solução e que uma ditadura de esquerda é uma má solução. Bem, os membros dessa juventude da qual eu faço parte consideram que não é apenas uma ditadura ruim da direita e uma ditadura de esquerda, mas que já é ruim que haja uma posição política da direita e uma posição política de esquerda. Gil Robles entende que aspirar a um Estado integral, totalitário e autoritário é desmentir o Estado, e direi ao Sr. Gil Robles que a divinização do Estado é o oposto do que queremos.

Consideramos que o Estado não justifica sua conduta em todos os momentos, pois não se justifica por um indivíduo, nem se justifica por uma classe, mas desde que esteja em conformidade a cada momento a uma norma permanente. Enquanto a ideia rousseauiana diviniza o Estado de que o Estado, ou os portadores da vontade que é obrigatória para o Estado, está sempre certo; o que degrada o Estado é a crença de que a vontade do Estado, outrora manifestada por reis absolutos, e agora manifestada pelo sufrágio popular, está sempre certa. Reis absolutos podem estar errados; sufrágio popular pode estar errado; pois a verdade nunca é a verdade nem é boa uma coisa que se manifesta ou professada pela vontade. O bem e a verdade são categorias permanentes de razão, e para saber se alguém está certo não basta perguntar ao rei – cuja vontade para os defensores da soberania absoluta sempre foi justa – nem é suficiente para perguntar ao povo – cuja vontade, para os rousseauianos está sempre correta – mas devemos ver a cada momento se nossas ações e nossos pensamentos estão de acordo com uma aspiração permanente. (Muito bom.)

É por isso que é para deificar o Estado o oposto do que queremos. Queremos que o Estado seja sempre um instrumento a serviço de um destino histórico, a serviço de uma missão histórica de unidade: descobrimos que o Estado se comporta bem se acredita nesse destino histórico total, se considera o povo como uma integridade de aspirações, e é por isso que não somos apoiadores nem da ditadura da esquerda nem da direita, nem mesmo da direita e da esquerda, porque entendemos que um povo é esse: uma integridade do destino, do esforço, do sacrifício e da luta, que deve ser encarada inteiramente e que todos os avanços da História e de todo devem ser servidos. 

(Muito bom)

(Discurso entregue ao Parlamento em 19 de Dezembro de 1933.)

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Diretrizes Fundamentais do Trabalhismo Brasileiro


Justificação

O programa do Partido Trabalhista Brasileiro, fundado em março de 1915, tinha em vista, em muitas das suas disposições, a nova ordem constitucional que se iria instituir. A preocupação fundamental do
Partido, preocupação justa e legítima, era que não fossem diminuídos os direitos e as garantias assegurados aos trabalhadores pela legislação trabalhista do Presidente Getúlio Vargas.

Com a promulgação da Constituição, em 18 de setembro de 1946, numerosos itens do programa trabalhista tiveram acolhida nos textos constitucionais. Trata-se, portanto, atualmente, de tornar efetivos esses preceitos.

Das circunstâncias apontadas surge a necessidade de uma revisão do programa do Partido, suprimindo disposições já corporificadas em princípios da nossa organização política e incluindo outros que melhor caracterizem a índole de nosso Trabalhismo, configurem os seus objetivos, as suas diretrizes, a sua orientação e o localizem dentro dos sistemas econômicos e sociais que se defrontam no mundo.

Poderíamos admitir que existem atualmente três sistemas ou regimes fundamentais: - o capitalismo, o socialismo e o comunismo. Pondo de lado este último, cuja tática e cujos processos não se poderiam coadunar com a ideologia Trabalhista, é de perguntar qual o regime preconizado pelo Trabalhismo brasileiro, se o capitalismo ou o socialismo. Sobre esse ponto não existem idéias muito claras, o que impõe a necessidade de fixar a verdadeira doutrina e as soluções que se formulam para os nossos problemas fundamentais.


Os objetivos básicos do Trabalhismo


O objetivo básico do trabalhismo, em todo o mundo, é a organização da sociedade de tal forma que se assegure a crescente eliminação da usura social. E preciso que essa expressão “usura social” seja compreendida no seu verdadeiro sentido e que se não confunda com “usura monetária” (isto é, a cobrança de juros excessivos sobre empréstimos), que é apenas uma modalidade de “usura social”.

Existe usura social quando as relações econômicas entre os membros de uma sociedade não estão baseadas nos princípios da justiça social, tais como hoje os formulamos e admitimos. A usura social é o que comumente se costuma denominar “exploração do homem pelo homem” e que todos reconhecem que deve ser banida do seio da sociedade.

A coletividade humana, do ponto de vista econômico, é baseada na troca: troca de utilidades por utilidades, de utilidades por serviços, de serviços por serviços. O homem vive em sociedade justamente por não ser autossuficiente. A sociedade é, portanto, uma forma de cooperação e a atividade de cada um deve ser uma atividade cooperante, isto é, não deve ter apenas um sentido de utilidade individual, mas também um sentido de utilidade social. A forma individual da cooperação, é o trabalho. Eis porque a sociedade, em última análise, é um intercâmbio de trabalho, intercâmbio que, nas modernas coletividades humanas, assume as formas mais variadas e complexas.

Desde logo seria lícito concluir que poderia haver, na sociedade, duas formas de usura social: uma, conseguindo uns os meios de viver sem a prestação de um trabalho socialmente útil, e outro conseguindo obter esses meios sem que haja uma correspondência entre eles e o valor social do trabalho produzido. 

Há usura social toda vez que uns vivem à custa do trabalho alheio ou que as relações de trabalho (ou de intercâmbio de trabalho) ferem os princípios da equidade, tais como são hoje compreendidos.

Se, por exemplo, alguém tem a seu serviço outras pessoas e lhes paga salários miseráveis, obtendo à custa do trabalho das mesmas, bons resultados econômicos, pratica uma forma de usura social. Toda vez que as remunerações de determinadas formas de atividade não correspondem ao grau de sua utilidade coletiva, há usura social.

Aqueles, por exemplo, que, no sistema baseado na iniciativa privada, (sistema capitalista) combinam os fatores da produção (empresários ou capitalistas), fazem jus a uma remuneração (lucro) pela iniciativa, organização, direção e risco dos empreendimentos. Se, porém, para obterem maiores benefícios, explorarem o trabalhador e o consumidor, cometem uma forma de usura social. O lucro que deriva da atividade empreendedora, deduzida aquela parcela que se pode considerar a justa remuneração do empreendedor, deve ser invertido na aplicação da empresa ou em novos empreendimentos.

Relativamente, à remuneração de atividades, poderíamos dizer que há duas formas de usura social: uma positiva e outra negativa. Há usura positiva quando alguém obtém ganhos que estão acima do valor social de sua atividade ou trabalho; há usura negativa, quando os ganhos são inferiores ao valor social do trabalho. No conjunto das relações sociais, as duas formas de usura, são necessariamente correlatas, isto é se há exploradores há, necessariamente explorados.

Suponhamos uma sociedade de três indivíduos, onde dois trabalham e produzem e o terceiro nada faça, e não obstante, percebe os mesmos benefícios. Tal sociedade seria justa? Evidentemente não esse terceiro estaria exercendo uma espécie de usura sobre os demais. 

Quando, pois, se afirma que o objetivo fundamental do trabalhismo, em todo o mundo, é a redução senão a eliminação crescente da usura social, a palavra “usura” é empregada no sentido indicado. Mas existem modos diversos de chegar a esse resultado. Sabemos que há os que consideram o lucro uma forma de usura social e entendem, por isso, que a sociedade deve ser organizada de forma que o lucro seja eliminado. 

Sabemos também que o lucro é o objetivo do empreendimento privativo do capitalista.

O capitalista é o proprietário dos meios de produção, isto é, da terra, dos estabelecimentos industriais, das máquinas, dos instrumentos de trabalho, das matérias primas - enfim, do capital. Mas, os meios de produção precisam ser acionados pelo braço e pela inteligência do homem. São os trabalhadores que os acionam e aos quais o empregador paga determinado salário. Afirma-se que a remuneração paga ao trabalhador nunca corresponde mas é sempre inferior à sua contribuição real para a produção e que, dessa forma, o empregador como que se apropria de uma parcela desse trabalho, deixando de remunerá-la. O lucro, por exemplo, em última análise, nada mais seria do que essa parcela de trabalho que não é remunerada, o que constituiria uma modalidade de usura social.

Afirma-se, além disso, que a produção capitalista visa exclusivamente o lucro, ao passo que a produção deve ter em vista a satisfação de necessidades humanas. 

A forma preconizada para eliminar todos esses inconvenientes seria a socialização dos meios de produção. Nessas condições, os meios de produção deixariam de ser propriedade individual ou privada para tornar-se propriedade social ou coletiva. Deixando de existir o empreendimento privado mas sendo este organizado pelo Estado, deixaria também de existir o lucro, e, consequentemente, a exploração do trabalhador. Dessa forma, afirma-se, a produção se realizaria para o consumo e não para o lucro e o trabalhador receberia, pelo menos teoricamente, o valor integral do seu trabalho. 

E assim que muitos apontam o socialismo como um meio de eliminar certos elementos de usura social (ou conseguir o máximo dessa eliminação) considerando-se como tais, a intermediação ou a exploração privada dos meios de produção, distribuição e troca.

Pondo de lado quaisquer considerações sobre a orientação filosófica de certas formas de socialismo, mas encarando apenas o tipo de estrutura econômica que ele apresenta com o objetivo de obter a eliminação crescente da usura social ou da exploração do homem pelo homem, deveremos observar que, no Brasil, não existiriam condições materiais, objetivas, nem condições psicológicas e políticas para a instituição do socialismo, isto é, não lograria aqui alcançar os objetivos visados. 

Fazendo sempre abstração de quaisquer considerações de caráter filosófico, que aqui não interessam, é preciso observar que socialização "a posteriori" pressupõe sempre algo que se possa socializar. E necessário um certo desenvolvimento industrial, que não existe no Brasil, e que esse desenvolvimento tivesse atingido aqueles limites em que já não seria conveniente que se mantivesse sob o regime da iniciativa privada.

Pretender, por outro lado, criar um desenvolvimento econômico, sob a forma socialista, seria, no Brasil, um contrassenso. Nem existem meios técnicos, nem meios financeiros, nem educação para tal empresa.

Isso não significa que o Estado, em certos casos, não deva tomar a iniciativa dos empreendimentos econômicos, sobretudo quando estes transcendem os limites das possibilidades ou das conveniências do empreendimento privado. Para isso, porém, é sempre necessária uma preparação técnica e o treinamento de homens que sejam capazes de dirigir, com elevado espírito público, empresas dessa natureza.

Possuímos, sem dúvida, bom material humano, mas este, geralmente, não é aproveitado pelos que governam o país. Enquanto não se modificar a mentalidade dominante não temos esperança de que, sob este aspecto, a situação se possa modificar. Será esse, portanto, um cometimento mais para as novas gerações.

Vê-se, pois, que, embora o objetivo fundamental do trabalhismo possa ser o mesmo em todo o mundo, a maneira de atuar e realizar-se, será diferente conforme as condições peculiares e o grau de civilização e cultura de cada país. Na Inglaterra, o trabalhismo é socialista. No Brasil, não poderia sê-lo pela ausência dos pressupostos. 

A economia socialista é uma técnica, não um fim. Poderá dar, eventualmente, bons resultados em países evoluídos social e materialmente, mas daria resultados negativos em países como o nosso, que figura entre os mais atrasados do planeta. Será desnecessário esclarecer que nos referimos aqui a um socialismo do tipo do trabalhismo inglês e não a outras formas de socialismo. 

A soma dos ganhos de todos os indivíduos de um país é o que poderemos chamar, de uma maneira simplista, a renda nacional, que não deve ser confundida com renda ou receita pública. O trabalhismo sustenta o princípio de que nenhum ganho é justo desde que não corresponda a uma atividade socialmente útil. Eis porque a renda nacional deve ser distribuída e aplicada de tal forma que se atenda a esse princípio. Nem sempre o que constitui um ganho legal é um ganho justo. No sistema da livre iniciativa, é difícil evitar essas injustiças na sua origem. Cumpre, por isso, ao Estado corrigi-las. E essa a função social precípua do Estado. Todo ganho deve estar sempre em função do valor social do trabalho de cada um. Onde há ganhos sem trabalho, há parasitismo e usura social. 

Essa é a razão pela qual também poder aquisitivo e trabalho deveriam ser expressões equivalentes. 

A renda nacional é resultado do trabalho produtivo. A distribuição dessa renda, porém, nem sempre é feita na proporção desse trabalho. E preciso, pois, que cada um dela participe na justa proporção do seu trabalho, isto é, na justa proporção dos benefícios com que contribuiu para a coletividade. Trabalho significa aqui qualquer forma de atividade socialmente útil e não apenas o trabalho assalariado. Onde há ganhos que não correspondam a um trabalho ou atividade útil, há, como observamos, usura social, o que significa, pura e simplesmente, que uns se locupletam à custa do trabalho de outros. 

Poderíamos, pois, resumir os princípios gerais do trabalhismo nos seguintes termos: 

a) o trabalho é a fonte principal e originária de todos os bens produzidos. A função destes é a satisfação de necessidades. O valor dos bens reside, portanto, na sua utilidade e no trabalho que concorre para produzi-los; 

b) a coletividade humana é um sistema de cooperação. A cooperação realiza-se pelo trabalho e para que a cooperação de cada membro da coletividade se torne efetiva, é necessário que se traduza por uma atividade socialmente útil, isto é, que traga benefícios não apenas a quem exerce mas também aos demais membros da coletividade e contribua, por esta forma, para o aumento do bem-estar geral; 

c) a forma de cooperação é um intercâmbio de trabalho. Quem de útil nada produz nada tem para permutar; 

d) o poder aquisitivo deve ser a contrapartida do trabalho socialmente útil. Esse trabalho é o único e verdadeiro lastro da moeda. A posse de poder aquisitivo, que não deriva dessa forma de trabalho, representa uma apropriação injusta do trabalho alheio e caracteriza-se como usura social; e)o objetivo fundamental do trabalhismo deve ser a eliminação crescente da usura social e alcançar uma tal organização da sociedade onde todos possam realizar um trabalho socialmente útil de acordo com as suas tendências e aptidões, devendo a remuneração graduar-se pelo valor social desse trabalho, com a garantia de um mínimo dentro dos padrões da nossa civilização, para as formas de trabalho menos qualificado. 

A função precípua do Estado deve ser hoje a realização da justiça social. Se a justiça social, como comumente se admite, se traduz por uma eqüitativa distribuição da riqueza, isto significa simplesmente que, garantido um mínimo fundamental, a participação de cada um no produto social (isto é, no acervo dos bens produzidos) deve estar em relação ao valor social do seu trabalho, isto é, ao grau de sua contribuição para a produção desses bens e para o bem-estar geral. Essa parece ser a essência do trabalhismo.

Há uma tarefa social, que incumbe à sociedade ou à organização e outra que é individual. A organização econômica e social deve assegurar um padrão objetivo mínimo, elevando-o sempre mais à medida que a ciência e a técnica criam novos meios de bem-estar. Deve-se assegurar a cada um a oportunidade efetiva (isto é, de meios) de ascender na escala dos padrões sociais de viver em segurança quando já não possa trabalhar. Ao indivíduo caberá utilizar os meios que são postos à sua disposição pela sociedade.

Vê-se, portanto, que o trabalhismo, quanto aos seus postulados e objetivos humanitários, é uma doutrina social: quanto aos meios e procedimentos para alcançar esses objetivos, é uma técnica econômica que se deverá socorrer dos dados e dos ensinamentos dos diferentes ramos da Economia. Politicamente, o trabalhismo é um movimento de opinião tendente a obter a consecução dos seus objetivos através da ordem e do mecanismo jurídico-constitucional, isto é, através dos poderes do Estado. Os objetivos finais do trabalhismo são os mesmos em todo o mundo. As soluções concretas é que podem variar de acordo com as circunstâncias de tempo e de lugar. Na realidade, o trabalhismo somente poderá encontrar a sua integral realização no dia em que os seus princípios dominarem em todas as grandes nações que controlam a vida internacional, o que determinará, necessariamente, a eliminação do armamentismo, que é uma das principais causas de usura social, de mal-estar e empobrecimento dos povos.

A cooperação que deve existir entre os membros de uma coletividade nacional deve existir também entre os membros da comunidade internacional. Os princípios são os mesmos, o que significa que o trabalhismo abrange também a ordem internacional. 

Trabalhismo, Socialismo, Capitalismo

O trabalhismo não é, pois, necessariamente, um movimento socialista. Como vimos, o socialismo não é um fim, mas um meio, isto é, uma forma de organização econômica tendo em vista a eliminação da usura social.

Abstraindo das diferentes concepções socialistas - incompatíveis com os princípios cristãos quando têm caráter materialista - e considerando socialismo simplesmente a socialização dos meios de produção, de circulação e de troca, mediante uma planificação da economia, observamos que o sistema seria inexequível num país como o Brasil. 

Devemos, pois, permanecer no sistema da iniciativa privada, isto é, no regime capitalista. Mas, se é conveniente que se mantenham em seus delineamentos gerais, a estrutura do regime capitalista, isso não significa que seja qualquer tipo de capitalismo que o trabalhismo possa admitir e defender. Em primeiro lugar, o trabalhismo brasileiro não poderia solidarizar-se com um capitalismo de caráter individualista e parasitário; em segundo lugar, há certas atividades e empreendimentos, certas riquezas e certas formas de poder econômico que devem ser socializados.

Nos sistemas individualistas, o capital visa exclusivamente o lucro, que poderá proporcionar a seus detentores possibilidades de consumo sem limites, à custa do produto social, isto é, do trabalho do proletariado. O trabalhismo não poderá admitir tal forma de capitalismo. Para o trabalhismo, o capital deve ser um conjunto de meios instrumentais ou aquisitivos, dirigidos e coordenados embora pela iniciativa e atividade privadas, tendo em vista o desenvolvimento da economia, e o bem-estar coletivo. Consequentemente, o lucro não deverá ser O produto da exploração do trabalhador, mas, deduzida a justa remuneração do empresário, deverá constituir aquela parte do produto social que é invertida para a criação de novas riquezas e produção de bens. O capital de caráter meramente especulativo e explorador não poderia encontrar guarida e tolerância no verdadeiro pensamento trabalhista.

O capital é um conjunto de meios destinados à produção, à circulação e à troca. Uma fábrica é capital, uma estrada de ferro também o é. Não se pode ser contra o capital, o que seria absurdo. O capitalismo, porém, é uma relação de propriedade ou de exploração do capital. Se essa propriedade ou essa exploração são exercidas contra o interesse coletivo, o capitalismo é, evidentemente, um mal que deve ser combatido. Na constituição do capital há sempre uma parcela de usura do trabalho, e que é representada por aquela parte que está cristalizada no aparelhamento produtor. 

Se alguém por exemplo, por meio de um empréstimo, constrói e instala uma fábrica, esse empréstimo terá que ser amortizado com os lucros do empreendimento. Ora, o lucro representa a não remuneração de uma parcela de trabalho e um sacrifício do consumidor. Para simplificar a idéia, suponhamos que um sapateiro tome a seu serviço um oficial. Se lhe pagasse, como salário, o que ele realmente produz, o dono da oficina não teria resultado algum. Isso significa que, para que o sapateiro tenha lucro, é necessário que o empregado ganhe menos do valor que realmente produz.

Com relação ao lucro que invertido, essa usura existirá em qualquer sistema. O capital é uma acumulação de lucro, isto é, de trabalho não remunerado. No sistema socialista de economia, o capital não se constitui através do lucro ou rendimento privado, mas através de taxação. Ora, a taxação produz idêntico efeito, pois equivale a uma redução do salário nominal. Se alguém, por exemplo, percebe mil cruzeiros mensais, mas tem que pagar duzentos cruzeiros de impostos, o salário real estará reduzido a oitocentos cruzeiros.

Se o Estado socialista pagasse ao trabalhador o valor integral do trabalho, não poderia haver inversões, isto é, não seria possível constituir o aparelhamento produtor e os demais meios correlatos, isto é, o capital. 

A parte do lucro, que é invertida, não representa uma injustiça social. Pode haver injustiça na parcela do lucro que é consumida pelo capitalista, sempre que o consumo exceda os limites razoáveis da remuneração devida à atividade empreendedora. 

O problema, pois, não é o da existência ou supressão do lucro e sim o de sua aplicação. 

O capitalismo, portanto (isto é, a exploração privada dos meios de produção, circulação e troca) será injusto na medida em que proporcione, a alguns, possibilidades de consumo sem limites, à custa do produto social, isto é, do trabalho; será nocivo, na medida em que, para alcançar essas possibilidades, use de métodos e processos anti-sociais; será, por fim, inconveniente na medida em que tumultue o processo econômico, dando lugar às crises periódicas ou ciclos conjunturais, que são uma conseqüência natural da liberdade de iniciativa e da livre concorrência.

E de perguntar como será possível corrigir, praticamente, as injustiças e inconveniências do regime capitalista. 

Poder-se-á responder que, se não é possível eliminá-las, será sempre possível atenuá-las.

Taxar, por exemplo, os rendimentos, e aplicar o produto da taxação em inversões socialmente úteis será uma forma de canalizar o lucro e os rendimentos capitalistas para as suas verdadeiras finalidades. Taxar fortemente os artigos de luxo é, em geral, o supérfluo, e, com o produto da taxação custear serviços de assistência social, será outra forma de corrigir certas injustiças. Será uma maneira de obrigar os que podem adquirir o supérfluo a contribuir para resolver os problemas daqueles que não têm o necessário. E apenas isso que pretende o trabalhismo, isto é, tornar efetiva a solidariedade social.

Onde o sistema socialista de economia desse piores resultados que o capitalista, não haveria conveniência em substituir este por aquele. Suponhamos, por exemplo, que, numa fábrica, os operários ganhem, em média, x e o patrão lucre y. Com sua socialização, poder-se-á, sem dúvida, abolir o lucro, mas se a fábrica passar a ter uma administração pior, de modo que se encarecerá o custo da produção e do modo que a eliminação do lucro, nem aproveite ao operário nem ao consumidor, quais seriam as vantagens da socialização? Se a eliminação do lucro nem fizesse aumentar o salário do trabalhador, bem diminuísse o preço para o consumidor, a abolição do lucro seria perfeitamente inútil. A socialização só poderia dar resultados quando a administração daí empresa socializada pudesse ser mais eficiente do que a empresa privada. Para isso, porém, seria necessário um alto nível de educação social, que não existe ainda na maior parte dos homens. 

A socialização integral dos meios de produção, no estado atual da humanidade, poderia trazer ainda outros inconvenientes, pois o Estado se tornaria todo-poderoso e seria difícil encontrar homens perfeitos para geri-lo. É certo que a tendência é para aumentar as funções do Estado, evoluindo da função simplesmente policial à função social e à função econômica. Essa evolução, porém, está condicionada a um maior grau de perfeição dos homens

Por outro lado, não será demais observar que, se a forma socialista da produção pode ser desaconselhada, não será para atender aos interesses capitalistas, mas para atender ao maior interesse da própria coletividade.

Será desnecessário esclarecer que há setores da economia onde a socialização ou a estatização se impõe. Não há hoje países onde impere o puro regime capitalista. Há países de economia exclusivamente socialista e países de economia mista. 

PASQUALINI, Alberto. Bases e Sugestões para uma política social. Porto Alegre, O Globo, 1948.  


 

 




A Sociedade Segundo o Trabalhismo, Alberto Pasqualini



A inflação resulta de uma desproporção, em dado momento, entre a renda produtiva e a renda improdutiva.

O SR. ALBERTO PASQUALINI - Em exposição anterior que tive a honra de fazer perante o Senado, procurei caracterizar a posição do trabalhismo, em face dos problemas econômicos fundamentais da coletividade, indicando, em termos amplos e genéricos, quais deveriam ser os seus objetivos e a sua política.

Sempre que me refiro a trabalhismo, não aludo a partidos trabalhistas, mais ao ideal trabalhista, que deveria ser o motivo de ação desses partidos.

Prosseguindo, hoje, nessas considerações, e procurando demonstrar ou justificar, ainda que superficialmente, esse objetivos, creio que poderia iniciar esta explanação com uma observação que, desde Aristóteles, constitui o lugar comum talvez mais glosado por sociólogos, economistas e filósofos que se ocupam da sociedade, dos fatos e das relações que nelas se desenvolvem.

Não me animaria a dizer que o homem é um animal essencialmente social; mas poder-se-ia relembrar, com Aristóteles, a razão pela qual o homem vive em sociedade, razão que reside, precisamente, na circunstância de não ser autossuficiente. Afirmou o filósofo que aquele que pudesse prescindir do convívio e do comércio dos mais homens, ou porque de nada precisasse, ou porque se bastasse a si mesmo, não pertenceria à coletividade humana: ou seria um bruto ou seria um Deus.

A Sociedade segundo o Trabalhismo

Para o trabalhismo a sociedade humana deve ser a organização da cooperação e da solidariedade entre os indivíduos que a constituem. O que cumpre é que estabeleçam os termos e condições dessa cooperação para que se eliminem todas as formas de exploração e se assegure o que denominamos “justiça social”.

A forma individual da cooperação é o trabalho, isto é, uma atividade que possa ser útil aos demais e que, em consequência, encontre na atividade destes uma correspondência de benefícios. A cooperação, base da sociedade, se caracteriza, portanto, por um intercâmbio de trabalho ou de serviços. 

Tomo sempre a palavra “trabalho” no sentido de uma atividade econômica e socialmente útil, de uma atividade que produza ou contribua para produzir bens e serviços que contenham alguma utilidade para os demais membros da coletividade e possam, por isso mesmo, ser permutados por bens e serviços oriundos de atividade da mesma natureza ou de outras formas de trabalho.

O agiota, o açambarcador, o monopolista, o especulador exercem atividades, mas não poderíamos considerá-las e classificá-las como formas de trabalho, porque “trabalho” por definição, é uma atividade socialmente útil.

Por outro lado, trabalho não é apenas o trabalho físico. Não é apenas uma atividade em que se emprega predominantemente a energia muscular, mas qualquer gênero de atividade de que possa resultar um benefício econômico, não apenas para quem a exerce, mas também para os demais membros da coletividade.

Sabemos que, quanto mais sensos e evoluídos os agrupamentos humanos, maior é a divisão do trabalho e a diferenciação das funções econômicas que neles se processam. Nas sociedades modernas, esse intercâmbio, justamente em razão da crescente divisão e especialização do trabalho, assume uma feição microtônica (se me posso exprimir assim), pois no atual sistema de produção, centenas senão milhares de pessoas participam, por vezes, da criação de uma única utilidade, de modo que a contribuição individual é infinitesimal na unidade, distribuindo-se por um grande número delas.

Isso significa que, à medida que se opera a divisão do trabalho, mais complexa se torna a trama das relações e dos vínculos de dependência econômica entre os indivíduos. Os lermos do intercâmbio perdem as características individuais para serem regidos pelas leis econômicas dos fenômenos de massa.

Se a vida em sociedade se caracteriza como um intercâmbio de trabalho ou de serviços, parece que se poderia assentar, como princípio básico da cooperação e da solidariedade a necessidade de que esse intercâmbio se realize um termos de uma equivalência de valores. Onde alguns pudessem beneficiar-se do trabalho de outros sem uma prestação equivalente de trabalho, não haveria eqüidade e a sociedade deixaria, então, de ser a organização da cooperação e da solidariedade para se transformar na organização da exploração e da injustiça. 

Onde há ganhos sem trabalho correspondente, isto é, sem a prestação de serviços que os justifiquem, na base de uma reciprocidade de valores, há parasitismo e exploração social. 

Nesse grande mercado de serviços que é a sociedade humana, quem de útil nada produz, nada pode ter para oferecer e, portanto para permutar. Logo, todo ganho obtido nessas condições poderá representar uma apropriação do valor do trabalho alheio. 

Os ganhos e remunerações devem ser a contrapartida de uma atividade socialmente útil e devem estar em proporção à utilidade que dela resultou para os demais membros da coletividade.

Esta é a tese fundamental, que está para o trabalhismo como o postulado de Euclides está para a geometria euclidiana.

Eis por que poderíamos reduzir a três os objetivos finais do trabalhismo: primeiro, organizar verdadeiramente a sociedade, na base da cooperação e da solidariedade; segundo, em consequência, todas as formas de exploração econômica e social; terceiros, ser a cada um os meios de imprimir ao seu trabalho o maior coeficiente de utilidade social, tornando-se credor da remuneração correspondente. 

Duas ordens de Atividades: Produtiva e Improdutiva 

Dentro dessa ordem de considerações, poderíamos, de um modo geral, dividir a sociedade em dois grandes grupos: o grupo dos que cooperam com trabalho ou atividade socialmente útil, que denominaram o grupo A; e o grupo dos que não contribuem com atividade dessa natureza, ou porque não trabalham e são simplesmente parasitas, ou porque a atividade que exercem não tem utilidade social, não ocorre, nem direta nem indiretamente, para aumentar as condições e os meios de bem-estar. Denominaremos a esse grupo, o grupo B. Dele ficam naturalmente excluídos os que, por este ou aquele motivo, não podem trabalhar.

O grupo A poderia ser designado como produtivo; o grupo B, como grupo improdutivo.

Sentido das palavras “Produtivo” e “Improdutivo”.

Desejo esclarecer e caracterizar o sentido em que são tomadas, para efeito dessa classificação, as palavras “produtivo” e “improdutivo”, “produtividade”, e “improdutividade”, porque têm elas significações diversas, na linguagem dos economistas.

Para os fisiocratas, por exemplo, “produtivo” era apenas o trabalho aplicado à terra. Entendiam que o trabalho de um artesão cobria apenas o custo da produção e o salário de sua subsistência, ao passo que o trabalho do agricultor cobria o custo da produção, o salário de sua subsistência, produzido ainda um “excedente”, que era o rendimento líquido do proprietário da terra. Consideravam a indústria e o comércio em certo sentido, como atividades improdutivas. Tomou-se célebre a máxima de Turgot: “Só o agricultor produz algo mais de que o salário do seu trabalho. E, portanto, a única fonte de riqueza”.

Para Adam Smith a produtividade do trabalho residia na circunstância de incorporar à matéria sobre que se exerce um valor adicional, transformando-a em mercadoria. Assim, o artesão, na manufatura que produz, acrescenta ao valor dos materiais o valor do seu salário e o lucro do patrão. O trabalho, por essa forma, como que se fixa e se materializa em uma mercadoria de certa duração, que poderá ser vendida, pondo em movimento outra quantidade de trabalho equivalente. Segundo a tese de Smith, portanto, a atividade dos trabalhadores empregados em uma fábrica de batom seria produtiva, ao passo que o trabalho de um empregado doméstico ou de um médico seria improdutivo.

Outros economistas clássicos, como Stuart Mill, ampliam o conceito de trabalho produtivo, entendendo como tal o trabalho que se aplica em criar utilidades permanentes, que se incorporem a seres animados ou inanimados.

Em geral, para os economistas clássicos, produtivo é o trabalho que contribui, direta ou indiretamente, para a criação de riqueza material. O trabalho empregado para salvar um amigo, diz Mill, não é produtivo, a não ser que ser trate de um trabalhador que produza mais do que consome. 

Analisando essas concepções, observava Marx que, segundo a ideia capitalista, trabalho produtivo é o trabalho assalariado que produz a mais valia, isto é, que além de produzir o valor correspondente à subsistência do trabalhador ou força do trabalho, produz um excedente, que é o lucro do capitalista.

Realmente, para o empregador capitalista, o trabalho do operário somente é produtivo quando produz algo mais do que o valor do próprio salário. Do contrário, não teria interesse em tê-lo ao serviço.

Costuma-se também falar em produtividade do trabalho em outro sentido. Para uma determinada quantidade e tipo de equipamentos, isto é, de capital, a produção per capita pode atingir o seu ponto máximo com um determinado volume de ocupação ou número de trabalhadores. Daí por diante, aumentando-se esse número, poderá haver aumento da produção em valores absolutos, não, porém, em valores relativos, isto é, a produção per capita diminuirá. Diz-se então que a produtividade marginal do trabalho decresce, entendendo-se, por produtividade marginal, o acréscimo de produção resultante da adição de uma unidade de trabalho. A mesma noção de produtividade física se pode aplicar ao capital. Se nos referirmos ao dinheiro, a produtividade significará um aumento ou decréscimo de lucro resultante de uma inversão adicional. Esses fatos são rotulados pelos economistas com o nome de “lei dos rendimentos decrescentes”.

Mas não é um nenhum dos sentidos indicados que estou empregando a palavra “produtividade”, neste momento. Com a expressão “atividade produtiva” pretendo simplesmente significar atividade que concorre para a produção de utilidades e serviços destinados a satisfazer necessidade e desejos humanos e à criação de meios de bem-estar. Creio que se poderia adotar a fórmula de um economista moderno Gustav Cassel: para que um serviço se possa considerar econômico ou produtivo, o essencial é que contribua direta ou indiretamente para satisfazer necessidade humanas.

Nessas condições, a atividade produtiva tanto se pode aplicar à produção de bens de consumo e uso diretos, como à produção de bens de consumo e uso indiretos, isto é, à criação de meios instrumentais de produzir.

As atividades empregadas na agricultura, na indústria, nos transportes são essencialmente produtivas. A intermediação, nos limites em que se presta um serviço necessário, dentro do atual sistema de organização econômica, poderá considerar-se indiretamente produtiva. Deixará de sê-lo todas as vezes em que houver excesso e ultrapassar as exigências da circulação ou esteja em oposição aos interesses dos produtores e consumidores. As atividades de mera especulação deverão ser consideradas absolutamente improdutivas.

As atividades compreendidas no conceito de serviço público poderão ser direta ou indiretamente produtivas na justa medida em que forem reclamadas pelas necessidades imperativas da organização política e administrativa da coletividade, condicionando, por essa forma, a possibilidade e a segurança das demais atividades ou contribuindo para a sua maior produtividade. Fora dos limites dessas exigências, serão atividades improdutivas. Todo excesso de burocracia é absolutamente improdutivo. 

O critério da produtividade nem sempre é um critério absoluto, mas relativo, nem é um critério abstrato, mas concreto, devendo-se decidir, em face de condições e circunstâncias particulares, se determinada forma de ocupação é produtiva ou improdutiva. Trata-se simplesmente de um princípio de orientação.

Há atividades essencialmente improdutivas mas de que nem sempre podemos Tais são, por exemplo, as que se relacionam com a defesa militar do país. 

Caracterizado por essa forma o sentido em que estou empregando a palavra produtivo distinguir, no grupo A, grupo produtivo, aqueles cujas remunerações são inferiores ao valor social do trabalho produzido e neste caso está a grande massa dos assalariados; e aqueles cujas remunerações ultrapassam esse valor e nesse caso está o grupo capitalista. Na parte excedente, essas remunerações representarão ganhos sem causa, um enriquecimento indevido e, portanto, uma injustiça no sistema da distribuição.

Há porém, um fato fundamental: tanto os componentes do grupo A, como do Grupo B consomem bens e serviços que são o resultado do trabalho produtivo. Se consomem, é porque dispõem de poder aquisitivo. Ora, possuir meios de aquisição sem ter prestado um trabalho correspondente ao montante desses meios, é o que precisamente caracteriza uma forma de exploração. Poderíamos, pois, formular este princípio: o coeficiente de exploração existente em determinada coletividade é proporcional aos ganhos obtidos improdutivamente. E poderíamos ainda afirmar como corolário, que o bem-estar, expresso no grau médio de satisfação das necessidades dos integrantes de uma coletividade, é inversamente proporcional ao coeficiente de exploração social, isto é, aos ganhos improdutivos. 

Consequências da desproporção entre atividades produtivas e improdutivas 

Poderia, à primeira vista, parecer que a distinção entre atividades, inversões e ganhos produtivos e improdutivos tem um caráter meramente acadêmico, tanto que dela não se ocupa a maioria dos economistas modernos, que se limitam, em geral, a desenvolver a teoria da produtividade marginal do trabalho, do capital e do dinheiro.

Na realidade, porém, não é assim, pois que a proporção entre essas duas categorias de ganhos e inversões, tal seja o grau de desenvolvimento técnico-econômico de um país e o nível de ocupação, tem grande influência nesse mesmo desenvolvimento, no padrão médio de vida, na distribuição da riqueza produzida e no curso dos processos inflacionários, os quais, como procuraremos demonstrar, estão em função da forma de composição da renda nacional.

Composição da renda nacional

Todo trabalho ou atividade se traduz, economicamente, por uma forma de remuneração ou ganho, ordinariamente expressos em moeda. A soma total das remunerações e dos ganhos em um país é o que constitui e se pode denominar, de um modo simplista, renda nacional.

O estudo da formação, distribuição, composição e aplicação da renda nacional é um dos capítulos mais importantes da economia.

Não desejo deter-me aqui no exame das diversas maneiras de conceituar a renda nacional, até porque para isso me faltariam conhecimento. Bastará observar que existem vários critérios para defini-la e determiná-la. Costuma-se, em geral, considerar a renda nacional sob três aspectos diferentes: como valor total do resultado ou produto líquido das atividades econômicas em um determinado período, e teremos então a renda produzida; como valor total das remunerações ou pagamentos aos fatores da produção, compreendendo, portanto, salários, ordenados, juros, arrendamentos, lucros, etc. e será então a renda paga; como valor total dos bens e serviços consumidos, mais as inversões líquidas, e teremos a renda consumida.

Esta é a definição que encontramos no relatório referente à “Estimativa da Renda Nacional no Brasil”, elaborado por Derksen, chefe da seção de estatística da renda nacional da ONU, com a colaboração de uma equipe de economistas nacionais.

Ousaria fazer aqui uma observação. Se conceituarmos a renda nacional como some total das remunerações aos fatores da produção, não sei como poderíamos incluir nesse conceito as remunerações dos elementos estranhos à produção, isto é, os ganhos que não derivam de uma atividade produtiva. 

Por isso, prefiro definir a renda nacional simplesmente como a soma total das remunerações ou ganhos, quer se originem de atividades produtivas, quer decorram de atividades não economicamente produtivas.

Numa coletividade em que todos os ganhos derivassem de atividades produtivas, no sentido que atribuímos a esta expressão, renda nacional e trabalho seriam expressões correlatas isto e, a soma monetária que representa a renda nacional seria o equivalente do valor monetário do trabalho ou dos bens e serviços que são o resultado material desse trabalho. Assim, se se apurasse que, em 1950, como presumem as estatísticas, a renda nacional, no Brasil, foi de 170 bilhões, saberíamos que se produziram bens e serviços no valor de 170 bilhões. Na realidade, porém, isso não acontece, porque nessa cifra da renda nacional estão computados não somente os ganhos oriundos de atividades produtivas, mas também os derivantes de atividades improdutivas, isto e, que não contribuíram para a produção de bens e serviços economicamente úteis. 

Se o Congresso, por exemplo, decretasse um aumento geral dos vencimentos e salários, a estatística acusaria um aumento da renda nacional, mas a esse aumento não corresponderia uma produção adicional de utilidades e serviços.

É importante, por consequência, distinguir entre a parcela da renda nacional oriunda de atividades produtivas e a parcela oriunda de atividades improdutivas, cumprindo assinalar que nem sempre uma progressão da renda nacional significa, por isso, um aumento da produção ou do valor real, dessa renda.

Valor monetário ou nominal e valor real da renda nacional

É preciso, pois, não confundir as variações monetárias da renda nacional com as variações do seu valor real, isto é, decorrentes de uma maior soma de trabalho produtivo.

Pode a expressão monetária ou nominal da renda nacional aumentar consideravelmente e, não obstante, diminuir o seu valor real, porque isso depende do poder aquisitivo ou valor do dinheiro. Sabem todos, por experiência própria, que, percebendo embora hoje salários ou ordenados maiores, logram adquirir menos do que podiam fazê-lo com salários ou ordenados menores em tempos passados. A renda expressa em cruzeiros aumentou, mas o poder aquisitivo do dinheiro diminuiu em uma proporção maior.

Um funcionário, letra H, por exemplo, percebe hoje um salário nominal que é mais ao dobro (2,35) do que percebia em 1936. O salário real, porém, isto é, o seu poder aquisitivo, corresponde à metade do salário de 1936. Isso significa que, não obstante os aumentos sucessivos, esse salário em conseqüência da desvalorização da moeda, sofreu uma redução de 50%.

A ocupação improdutiva tende a aumentar 

Em 1912, a renda monetária, per capita, no Brasil, segundo as estatísticas, era estimada em 236 cruzeiros; em 1945, era de 1.343 cruzeiros. Feita, porém, a “desinflação”, isto é, comparado o poder aquisitivo do dinheiro dos dois anos, a renda real per capita era em 1912, 236 cruzeiros e, em 1945, 207.

Do mesmo modo, em 1939, a renda per capita era, aproximadamente, de 695 cruzeiros; estima-se que, em 1950, tenha sido de 3.200 cruzeiros e, portanto, mais do quíntuplo. Reajustado, porém, o valor do cruzeiro, na base de 1939, a renda real per capita, em 1950, passa a ser de 848 cruzeiros, o que nos diz que, em 11 anos, aumentou apenas de 22%. 

Renda improdutiva e inflação

Isso significa que, no Brasil, a produtividade não acompanha o aumento demográfico da população e que existe um acentuado desvio de atividades ou de ocupação para a improdutividade, o que é bastante grave para um país que está na fase inicial do seu desenvolvimento econômico.

A inflação gera o aumento monetário ou nominal da renda nacional, mas somente uma maior quantidade de trabalho produtivo ou o aumento de sua eficiência, pelo aperfeiçoamento técnico, é que pode determinar um aumento da renda real. A renda real é função das atividades produtivas e traduz, portanto, o valor dos bens e serviços produzidos em determinado período.

Mas, paralelamente à renda produtiva, existe a renda improdutiva representada pelas remunerações e ganhos que não contribuíram para a produção de bens e serviços economicamente úteis.

Poder-se-ia dizer, de um modo geral, que, para um determinado nível de ocupação, o poder aquisitivo do dinheiro aumenta na relação direta da renda produtiva e na relação inversa da renda improdutiva. Consequentemente, o custo da vida aumentará na relação direta da renda improdutiva e na relação inversa da renda produtiva.

O desenvolvimento dessa tese nos levaria à conclusão de que o único e verdadeiro lastro da moeda é o trabalho produtivo e que, por conseguinte, o valor do dinheiro é dado pelo coeficiente de trabalho que ele encerra.

Mas o dinheiro é criado (e tomo aqui a palavra dinheiro no sentido de meios de aquisição) tanto pelas atividades e remunerações produtivas como pelas atividades e ganhos improdutivos. Donde se segue necessariamente a conclusão de que, quanto maior o volume destas últimas, maior é a diluição do valor do dinheiro ou o grau de usura exercido pelas atividades improdutivas sobre as atividades produtivas.

A inflação resulta de uma desproporção, em dado momento, entre a renda produtiva e a renda improdutiva. Esse fato nos leva a compreender melhor o seu mecanismo e a forma eficaz de combatê-la. A inflação, Sr. Presidente, é um dos maiores flagelos sociais e representa um pesado tributo lançado sobre as massas trabalhadoras e os assalariados em geral, E, na realidade, uma confiscação traiçoeira dos salários. Uma política verdadeiramente trabalhista deve, portanto, procurar combater a inflação, não com uma terapêutica sintomática, mas atingindo as suas verdadeiras causas.

É esse o tema que pretendo desenvolver ulteriormente.

PASQUALINI, Alberto. A sociedade segundo o trabalhismo. Diário do Congresso Nacional, Rio de Janeiro. 4 out. 1951 










 

domingo, 25 de setembro de 2022

O Sentido do Nacionalismo, Horia Sima



1. Nacionalismo, unificador da Pátria 

Esclarecida a estrutura da nação e conhecida sua vida íntima, voltemos ao problema do nacionalismo, que constitui o tema principal de nosso estudo. 

O nacionalismo é a expressão da totalidade nacional e nunca de algumas partes ou fragmentos da mesma. É um fator de integração de todas as províncias e regiões. Uma região, uma província, não pode ser nacionalista, o termo é equivocadamente empregado, porque estas entidades não são nações, mas somente territórios ou populações que se fundiram entre si para formar o conjunto de uma nação, ao curso de um longo processo histórico. As províncias e as regiões pertencem ao primeiro estado de criação das nações, quando somente existia um material de base, esperando sua fusão. As províncias e as regiões não são mais que os ladrilhos que entram na edificação da nação. A nação tem uma arquitetura distinta de seus elementos componentes. Ela não é nem indivíduo, nem classe, nem região, mas algo totalmente a parte, que incorpora todos estes fragmentos em uma ordem nova e uma nova perspectiva. 

O nacionalismo é um estado de suprema consciência ao que chegou uma comunidade humana, que supera todas as aspirações locais, provinciais ou regionais. O nacionalismo unifica a diversidade etno-geográfica de um país, dando-lhe um sentido de realização espiritual. O nacionalismo possui uma dinâmica própria, independente da de suas partes componentes. A nação não é algo estático, não é algo fixo, não é algo definitivamente contornado já no primeiro momento, senão que está realizando-se continuamente. O nacionalismo é a tensão criadora da nação que emprega suas forças para realizar suas finalidades. 

2. O nacionalismo e o nacional 

O nacionalismo não é algo distinto do nacional. Os movimentos nacionalistas podem ser igualmente denominados movimentos nacionais. Porém há modos de pensar quando não podemos evitar o emprego dos termos “nacionalismo” e “nacionalista”. Se o apego de um patriota a sua pátria, se chama “patriotismo”; se um indivíduo afiliado à doutrina marxista se chama “marxista” ou “comunista”; se a fé de um cristão se chama “cristianismo”, a de um maometano “maometismo”, não existe motivo algum para não dizer de alguém que adere aos princípios da nação, que é um “nacionalista”. Não devemos deixar que se crie um clima de confusão ao redor deste nobre e leal vocábulo, pois que perderemos um forte aliado na luta contra o comunismo. 

Por outro lado, o termo “nacional” reflete uma imagem pálida da pátria, porque foi desvalorizado pelos partidos democráticos. Em todos os países da Europa, existiram partidos que se chamavam “nacional-liberal”, “nacional-camponês”, “nacional-democrata”, “nacional-conservador”, “nacional-radical”, etc. Porém todos estes partidos, que se declaravam “nacionais”, na realidade, representavam interesses de classe. Nenhum deles se preocupava com a totalidade nacional. Se denominavam “nacionais para atrair o eleitorado, especulando com o sentimento nacional. Deste modo, “o nacional” perdeu muito de seu vigor inicial, sendo degradado pela duplicidade dos partidos. O vocábulo “nacionalismo” tem uma carga emotiva e energética muito mais forte que “o nacional”, coisa de que não devemos descuidar, e particularmente hoje, quando se trata do ser ou não ser das nações. Por isso, quando personalidades ou grupos políticos quiseram realizar uma grande empresa nacional ou alertar o povo sobre um iminente perigo sempre fizeram clamar a seu “nacionalismo”. 

O Nacionalismo – como se mencionou anteriormente - passou por duas etapas, que se observam muito bem na história dos povos europeus. A fase do nacionalismo extensivo, que conduziu à criação dos Estados nacionais. Este tipo de nacionalismo se conclui com a realização da unidade territorial de uma nação. Se as nações depois de alcançar suas fronteiras étnicas, se voltam sobre si mesmos para preocupar-se mais quanto a como organizar melhor seus recursos físicos, morais, espirituais e políticos, então entraram na fase do nacionalismo intensivo. Somente este tipo de nacionalismo forja a personalidade histórica e cultural de uma nação. Os partidos políticos democráticos geralmente não saem do conceito do nacionalismo extensivo, territorial, e por isto não podem nunca chegar a compreender a verdadeira essência da nação, havendo do “nacional” uma caricatura da nação. 

3. As características do Nacionalismo 

Vamos agora a ver quais são as características fundamentais do Nacionalismo frente a outras ideologias, frente a outras correntes políticas. 

a) O Nacionalismo é conservador, porém não deve confundir-se com o partido conservador. O Nacionalismo vigia a conservação do patrimônio histórico, espiritual e cultural de uma nação. Uma nação sofre diversas mudanças em seus costumes e em suas instituições com o passar do tempo, porém uma coisa deve ser mantida sem alterações: sua personalidade histórica. O eu coletivo de uma nação deve ser transmitido em estado puro de uma geração a outra. Quando o santuário espiritual de uma nação é profanado, aquela nação é ferida de morte e seu fim está próximo. O nacionalismo se opõe continuamente a este processo de desagregação dos povos, que pode ser produzido seja por debilidades próprias seja como consequência de influências perigosas do estrangeiro. Neste sentido é conservador o nacionalismo, não porque defenda privilégios injustos. 

b) O nacionalismo se pode apresentar, em um determinado momento, como uma reação frente a alterações ou anomalias que se produzem no corpo da nação. O nacionalismo reage com vigor quando os valores eternos são atacados ou substituídos por ideias alheias e perigosas para a existência da nação. Porém não é “reacionário”, isto é, não luta para a restauração de privilégios de classe ou de instituições ultrapassadas pelo momento histórico. 

c) O nacionalismo pode ser revolucionário em determinadas circunstâncias e pode desencadear mesmo revoluções para conquistar o poder. Porém não é um adepto sistemático da violência, não é revolucionário como princípio de ação na vida política. O Nacionalismo recorre à revolução somente in extremis, isto é, quando não lhe resta outra solução para salvar a existência de sua nação. Quando uma nação está a ponto de cair nas garras de seus inimigos, como se deu na Espanha de 1936, então a postura revolucionária está plenamente justificada. Em circunstâncias trágicas quando, como única saída para salvar a existência de uma nação, não pode mais que a revolução, o Nacionalismo tem o direito, e mais ainda, tem o dever de arriscar uma revolução. 

d) O Nacionalismo tem uma visão completa e harmônica da nação, isto é, que abarca toda a nação, com todos seus nomes e todas suas terras. Porém não é totalitário, no sentido de identificar-se com a fórmula do Estado totalitário. O Nacionalismo não é o exponente de uma classe social, não é o exponente de uma região, não é o exponente de alguns interesses econômicos, senão que manifesta a mesma solicitude paterna para todas as realidades nacionais. O Nacionalismo contempla à nação por cima, daquela região ideal que se eleva muito por acima dos interesses particulares. O Nacionalismo se pode assemelhar ao voo de uma águia, que sobrevoa majestosamente sobre homens, casas e paisagens. O Nacionalismo capta algo do mistério da nação, e deste centro dirige seus destinos. 

e) O Nacionalismo é um valor universal. Todas as nações, sem exceção alguma, são nacionalistas, ainda quando, às vezes, no reconhecem esta qualidade, ou bem a escondem. Quando uma nação deixa de ser nacionalista, isto é, quando já não afirma sua personalidade criadora na história ou na cultura, não é mais uma nação. Porém devemos precisar que a universalidade nacionalista não é uma ideia supranacional, idêntica em todos os povos, mas que ela varia em conteúdo de uma nação a outra. Cada nação produz seu nacionalismo específico, sui-generis, diferente do nacionalismo de outras nações. Ele não é transferível de uma nação a outra, e toda imitação de um nacionalismo alheio impede o desenvolvimento normal de uma nação. O nacionalismo importado é rechaçado pela nação. Assim ocorreu com as tentativas de transplantar o fascismo, ou o nacional-socialismo, em outros países. A experiência não teve êxito. 

f) O Nacionalismo é um valor muito antigo. Como doutrina se desenvolveu somente na época moderna, iniciando ao final do século XVIII, porém como estado de espírito, como realidade vivida, aparece desde as origens da História. Os sumérios, o primeiro povo, identificado graças à arqueologia, se manifestaram como um grupo social fechado, com características étnicas, culturais, religiosas e socioeconômicas próprias. Não podemos passar em revista todos os povos da antiguidade que chegaram à consciência histórica. Nos limitemos a dois exemplos sobressalentes: os judeus e os gregos. Os judeus eram o povo eleito, guardião da verdadeira fé, ao qual lhe era proibido por lei divina a mesclar-se com outros povos e raças, chamadas gentias. Os gregos, ainda que vivessem dispersos em cidades-estados, não chegando a formar um Estado nacional, se consideravam um povo distinto, de essência superior aos demais. De um lado, eram eles, os gregos, do outro, uma massa disforme de raças e povos, denominados coletivamente bárbaros. 

4. Nacionalismo e Socialismo 

O socialismo está implicado no Nacionalismo, se por Socialismo se entende justiça social, e não luta de classes, que é um conceito de origem marxista e que representa uma característica do comunismo. O nacionalismo não é a expressão de uma classe nem de um interesse particular, abarca a totalidade da nação. Para um nacionalista, as diferenças de classe social não podem ser ignoradas, porém as considera como fenômenos secundários, que têm lugar no interior da nação e que devem ser permanente subordinados a suas finalidades e a seus ideais. Um nacionalista nunca arrancará a classe do contexto social para usá-la como arma de combate contra a nação, ou mesmo situar-lhe acima da nação, como fazem os comunistas. Para evitar qualquer interpretação hostil à nação, os homens políticos que desejem utilizar o termo “socialismo”, na denominação de seu partido, deve adicionar-lhe uma nota, um atributo, para indicar claramente que seu socialismo se distingue do comunismo. Eles podem nomear seu socialismo anticomunista “socialismo nacional”, ou “socialismo cristão”, ou melhor, “socialismo nacional-cristão”. 

Hoje, o vocábulo socialismo está tão corrompido pelo contato prolongado com o comunismo, que é preferível não utilizá-lo de maneira alguma. Primeiramente, existem partidos socialistas que têm uma base doutrinária comum com o comunismo: o marxismo. O que lhes diferencia é somente o método de conquista do poder. Por outro lado, mesmo os comunistas, nos países em que chegaram ao poder continuam utilizando o termo “socialismo”, ampliando a confusão no mundo livre. As Repúblicas Soviéticas se chamam “repúblicas socialistas”, e também os Estados satélites da Europa Oriental se chamam repúblicas socialistas. Os comunistas toleram, entretanto, figurar o “socialismo” em seu vocabulário tanto para os benefícios propagandísticos que podem proporcionar-lhe o terreno ao estrangeiro, como para necessidades de política interior. O socialismo é a fase preparatória no processo de comunistização de um país, que se manifesta pela expropriação dos bens de produção. O comunismo real, autêntico, representa a segunda fase, a fase final, na qual o indivíduo perde sua personalidade, desaparecendo numa massa amorfa de escravos, totalmente à disposição do Estado. 

Nestas circunstâncias, devido à corrupção intrínseca que sofreu o termo “socialismo”, sua utilização como emblema político para os partidos de ordem é contraproducente. O socialismo foi contaminado até a medula pelo comunismo, e assim como água contaminada não se bebe, não devemos beber da fonte do socialismo. 

5. Os inimigos do Nacionalismo 

Não devemos deixar-nos enganar pelos que combatem o nacionalismo, ao que consideram um fenômeno anacrônico, e mesmo mórbido. Devemos identificar bem aos que patrocinam as campanhas antinacionalistas, para ver se não estão no fundo interessados na destruição de outros povos, para afirmar, justamente, seu próprio nacionalismo. Inimigos do nacionalismo, por exemplo, são e têm sido, em todos os tempos, os judeus. Em qualquer país onde se assentam, constituem una minoria hostil ao Estado nacional, e lutam pela sua desintegração. Porém, os mesmos judeus, quando criaram seu Estado nacional, mudaram radicalmente de atitude. Não somente olvidaram seus princípios pacifistas, humanitários, cosmopolitas, que professavam amplamente quando se encontravam na diáspora, porém passaram a professar com fanatismo sua fé em Israel, em seu Estado nacional, e, longe de haver promovido a fraternidade e o bom entendimento com outros povos, assim como rezavam antes, se converteram nos perseguidores dos grupos étnicos coabitantes. O nacionalismo hebreu adotou características extremas, transformando-se em intolerante, racista e imperialista. Eles que tanto combateram Hitler e suas teorias, e que não perdoam nem hoje aos sobreviventes políticos do Terceiro Reich, criaram na Palestina um Estado assentado exatamente sobre o «Weltanschauung» hitlerista, sobre as ideias de «Blut und Boden». 

Há, todavia, outra categoria de indivíduos que tornam-se frenéticos quando ouvem falar de Nacionalismo ao que combatem com todos seus meios. São os comunistas. Em seu vasto império, que abarca a Rússia e a Europa Oriental, qualquer movimento de protesta contra a política de opressão e desnacionalização dos povos cativos, é sufocado rapidamente em sangue, e os exponentes do nacionalismo são executados, ou internados em manicômios. Qualquer broto de nacionalismo é tachado de anacrônico - reminiscência da época burguês-capitalista, que não tem nenhuma razão de ser em uma sociedade socialista avançada. Porém quando se trata dos povos da Ásia e da África, e, em geral, dos povos que constituem o terceiro mundo, os mesmos comunistas adotam outra linguagem. Nestes lugares, e somente nestes, eles tornam-se campeões da liberdade dos povos, excitam o nacionalismo, e defendem o direito dos povos de dispor sobre si mesmos, contra os “imperialistas” e os “colonialistas”. 

Estas duas posturas são contraditórias só aparentemente. Na realidade servem para o mesmo fim, que é a dominação mundial pelos comunistas, e não representam mais que dois momentos tácticos na guerra que eles levantam contra o mundo livre. No império comunista se considera o nacionalismo muito perigoso, porque representa uma força capaz de provocar a desintegração da dominação ateu-marxista. Já no mundo livre, o nacionalismo, assim como o fomenta a Rússia bolchevique, ajuda na degradação dos impérios coloniais e na emancipação dos povos situados na esfera de influência das nações ocidentais. Porém, que ocorrerá despois que estes povos se desprenderem da tutela ocidental? Tornar-se-ão livres? De maneira alguma. Cedo ou tarde terão a mesma sorte que todos os povos cativos do âmbito soviético. Serão capturados pelos comunistas, cairão sob a tirania sangrenta destes, e perderão novamente, desta vez por definitivo, sua independência. 

O nacionalismo é o sinal de distinção de todos os povos. No exercício deste princípio encontramo-nos todos, pequenos e grandes. A condição fundamental para seu êxito é que devemos respeitá-lo em todos os povos. O que para nós nos deu vida e formou nossa personalidade histórica, não o podemos negar para outras nações. 

6. O Nacionalismo frente ao Comunismo

Hoje o Nacionalismo cresceu muito em importância, e em eficiência combativa. Longe de haver desaparecido da História, tal como profetizavam aqueles hipócritas interessados em desenvolver seu próprio nacionalismo, ele tomou as proporções de um movimento ingente em todo o mundo. Vejamos o grande movimento que desperta aos povos de cor. O nacionalismo africano e asiático está em plena ascensão. O nacionalismo árabe chegou ao apogeu, e está a ponto de transformar este povo em uma força considerável. No império comunista soviético, 200 milhões de seres humanos, que representam dezenas de nações distintas, estão frente aos 100 milhões de russos, e reclamam seu direito a uma vida livre. Na Europa Ocidental e na América do Norte, sob o véu de uma democracia formal, se observa uma grande efervescência nacionalista. Frente ao perigo comunista, os povos ibero-luso americanos cerram suas fileiras ao redor da bandeira nacionalista. 

Frente a frente se formam duas trincheiras: o universalismo nacionalista e cristão, contra o cosmopolitismo ateu e marxista. A luta final se dará entre estas duas forças. A batalha do Armagedom será aquela entre o nacionalismo cristão e o comunismo ateu. A vitória final será para as forças do bem, já que ao lado destas intervirá o Arcanjo Miguel, frente às hostes celestiais.

Ensaio sobre Nacionalismo, Primo de Rivera, 1936


A TESE ROMÂNTICA DA NAÇÃO

Essa fé romântica na bondade nativa dos homens era a irmã mais velha da outra fé na bondade nativa dos povos. "O homem nasce livre, e ainda em todos os lugares ele está acorrentado", disse Rousseau. Era, portanto, um ideal rousseauliano para restaurar ao homem sua liberdade e engenhosidade nativa; desmantelar para o possível limite de toda a máquina social que para Rousseau tinha operado como um corruptor. Na mesma linha veio a formular, anos depois, a tese romântica das nacionalidades. Assim como a sociedade era uma cadeia de indivíduos livres e bons, as arquiteturas históricas eram a opressão dos povos espontâneos e livres. Por mais pressa que indivíduos libertados corressem para libertar os povos.

Olhando atentamente, a tese romântica encaminhava para a desqualificação; ou seja, para a supressão de tudo adicionado pelo esforço (Lei e História) às entidades primárias, individuais e pessoas. A lei transformou o indivíduo em uma pessoa; A história transformou o povo em polis, em um regime estatal. O indivíduo é, com relação à pessoa, o que o povo é em relação à sociedade política. Para a tese romântica, era urgente voltar ao primário, ao espontâneo, tanto em um caso quanto no outro.

O INDIVÍDUO E A PESSOA

O direito precisa, como pressuposto da existência, da pluralidade orgânica dos indivíduos. O único habitante de uma ilha não é o detentor de qualquer direito ou sujeito a qualquer obrigação legal. Sua atividade só será limitada pela extensão de suas próprias forças. No máximo, pelo sentido moral à sua disposição. Mas quanto à lei, nem sequer é imaginável em tal situação. A lei sempre envolve o poder de exigir algo; há apenas um direito em face de um dever correlativo; cada questão de direito não é nada além de uma questão de limites entre as atividades de dois ou mais sujeitos. É por isso que a lei pressupõe a convivência; ou seja, um sistema de normas de condicionamento da atividade vital dos indivíduos.

Assim, o indivíduo, pura e simplesmente, não é objeto de relações jurídicas; o indivíduo nada mais é do que o substrato físico e biológico com o qual a lei se encontra para criar um sistema de relações reguladas. A verdadeira unidade jurídica é a pessoa, ou seja, o indivíduo, considerado, não em sua capacidade vital, mas como portador ativo ou passivo das relações sociais que a lei regula; como capaz de exigir, de ser compelido, de atacar e de transgredir.

O NATIVO E A NAÇÃO

Da mesma forma, as pessoas, em sua forma espontânea, são apenas o substrato da sociedade política. A partir daqui, para se entenderem, é conveniente usar a palavra nação, ou seja, com ela precisamente isso: a sociedade política capaz de encontrar no Estado sua máquina operacional. E com isso o tema deste trabalho é especificado: esclarecer o que é a nação: se a realidade espontânea de um povo, como pensam os nacionalistas românticos, ou algo que não é determinado pelos personagens nativos.

O romantismo era uma afeição pela naturalidade. O retorno à natureza era sua palavra de ordem. Com isso, a nação passou a se identificar como nativa. O que determinou uma nação eram caracteres étnicos, linguísticos, tipográficos, climatológicos. Em última análise, a comunidade de usos, costumes e tradição; mas tomou a tradição pouco mais do que como a memória dos mesmos usos repetidos, não como uma referência a um processo histórico que era como uma situação de partida em direção a um ponto de chegada talvez inacessível.

Os nacionalismos mais perigosos, tão desintegradores, são aqueles que entenderam a nação desta forma. Como se aceita que a nação é determinada pelos nacionalismos espontâneos e particularistas ganham uma posição inexpugnável. Não há dúvida de que o espontâneo prova que eles estão certos. É assim que é fácil sentir o patriotismo local. Assim, os povos são inflamados tão cedo no frenesi jubilante de suas canções, de seus festivais, de suas terras. Há em tudo isso como uma chamada sensual, que é percebida até mesmo no aroma do solo: uma corrente física, primitiva e deslumbrante, algo semelhante à embriaguez e a plenitude das plantas no momento da fertilização.

POLÍTICA DESAJEITADA

A esta condição rústica e primária nacionalismos românticos devem sua extrema vidraça.

Nada irrita mais homens e povos do que ver obstáculos no caminho de seus movimentos elementares: fome e zelo – apetites de hierarquia análoga ao chamado sombrio da terra – são capazes, chateados, de desencadear as tragédias mais graves. É por isso que é muito desajeitado se opor a atitudes românticas de nacionalismos românticos, para despertar sentimentos contra sentimentos. No campo afetivo, nada é tão forte quanto o nacionalismo local, justamente por ser o mais primário e acessível a todas as sensibilidades. E, por outro lado, qualquer tendência a combatê-lo pelo caminho do sentimento envolve o perigo de ferir as fibras mais profundas – ainda que elementares – do espírito popular, e encrespar reações violentas contra a mesma coisa que fingiu se fazer amada.

Temos um exemplo disso na Espanha. Os nacionalismos locais, habilmente, colocaram em jogo as primeiras nascentes das aldeias onde foram produzidas: terra, música, língua, velhos usos camponeses, a memória familiar dos idosos... Uma atitude perfeitamente pouco qualificada queria cortar o exclusividade nacionalista, ferindo essas mesmas molas; alguns recorreram, por exemplo, ao escárnio contra essas manifestações elementares; para aqueles que ridicularizaram a língua catalã como abrupta.

Não é possível imaginar uma política mais crua: quando um desses sentimentos primários instalados profundamente na espontaneidade de um povo é ofendido, a reação elementar contra ela é inevitável, mesmo por parte daqueles menos conquistados pelo espírito nacionalista. É quase um fenômeno biológico.

Mas a atitude daqueles que se esforçaram para despertar diretamente, diante do sentimento patriótico localista, o mero sentimento patriótico unitário, não é muito mais aguda. Sentindo-se, o mais simples pode em qualquer caso mais. Descer com patriotismo unitário ao terreno do afetivo é emprestar-se a carregar aqueles de perder, porque a atração da terra, perceptível por uma sensibilidade quase vegetal, é mais intensa quanto mais perto.

DESTINO NO UNIVERSAL

Como, então, reviver o patriotismo das grandes unidades heterogêneas? Nada menos que revisar o conceito de "nação", para construí-lo em outras bases. E aqui pode servir de diretriz para o que foi dito sobre a diferença entre "indivíduo" e "pessoa". Assim como a pessoa é o indivíduo considerado em função da sociedade, a nação é o povo considerado em função da universalidade.

A pessoa não é como loira ou morena, alta ou curta, dotada dessa linguagem ou outra, mas como portadora de tais e tais relações sociais regulamentadas. Você não é uma pessoa, mas assim que você é outra; ou seja: um contra os outros, possível credor ou devedor em relação aos outros, detentor de cargos que não são dos outros. A personalidade, então, não é determinada por dentro, por ser um agregado de células, mas de fora, por ser portadora de relacionamentos. Da mesma forma, um povo não é uma nação por qualquer tipo de justificativas físicas, cores ou sabores locais, mas por serem outra no universal; ou seja: por ter um destino que não é o de outras nações. Assim, nem todo povo ou agregado de pessoas é uma nação, mas apenas aqueles que cumprem um destino histórico diferenciado no universal.

Assim, é supérfluo deixar claro se uma nação atende aos requisitos de unidade da geografia, raça ou linguagem; o importante é esclarecer se há, no universal, a unidade do destino histórico.

Os tempos clássicos viram isso com sua clareza habitual. É por isso que eles nunca usaram as palavras "pátria" e "nação" no sentido romântico, nem fixaram as âncoras do patriotismo no amor sombrio da terra. Em vez disso, preferiram expressões como "Império" ou "serviço do rei"; ou seja, as expressões alusivas ao "instrumento histórico". A palavra "Espanha", que é a própria declaração de uma empresa, sempre fará muito mais sentido do que a frase "nação espanhola". E na Inglaterra, que talvez seja o caso mais clássico do patriotismo, não só existe a palavra "pátria", mas muito poucos são capazes de separar a palavra rei, símbolo da unidade que opera na história, da palavra país, uma referência ao apoio territorial da própria unidade.

O ESPONTÂNEO E O DIFÍCIL

Chegamos ao fim da estrada. Somente o nacionalismo da nação compreendido dessa forma pode superar o efeito desintegrador dos nacionalismos locais. Devemos reconhecer tudo o que eles têm de autêntico; mas é necessário despertar diante deles um movimento energético, de aspiração ao nacionalismo missionário, que concebe a Pátria como a unidade histórica do destino. É claro que esse tipo de patriotismo é mais difícil de sentir; mas em sua dificuldade está sua grandeza. Toda existência humana – de indivíduo ou de pessoas – é uma luta trágica entre o espontâneo e o difícil. Pela mesma razão que o patriotismo da terra nativa é sentido sem esforço, e mesmo com uma sensualidade venenosa, é um belo empreendimento humano se desvincular dela e superá-la no patriotismo da missão inteligente e dura. Tal será a tarefa de um novo nacionalismo: substituir a fraca tentativa de combater movimentos românticos por armas românticas, com a firmeza de se levantar contra transbordamentos românticos clássicos e impregnáveis redutos. Coloque os apoios do patriotismo não no afetivo, mas no intelectual. Para fazer do patriotismo não um sentimento vago, que qualquer véu murcho, mas uma verdade tão inabalável quanto verdades matemáticas.

Não é por isso que o patriotismo continuará sendo um produto intelectual árido. As posições espirituais assim adquiridas, na luta heroica contra os espontâneos, são aquelas que são então mais profundamente instaladas em nossa autenticidade. Por exemplo, o amor pelos pais, quando já passamos da idade em que precisamos deles, provavelmente é de origem artificial. conquista de uma cultura rudimentar sobre a barbárie original. Em um estado de pura animalidade, a relação paterna-filial não existe, uma vez que as crianças podem se defender sozinhas. Os costumes de muitos povos primitivos autorizaram as crianças a matar os pais quando eles já eram, por povos velhos, pura carga econômica. No entanto, agora, a veneração dos pais está tão incrustada em nós que nos parece que foram as afeições mais espontâneas. Tal é, entre outros, a doce recompensa que é conquistada com o esforço para melhorar; se as alegrias elementares se perdem, há, no final da estrada, outras tão caras e tão intensas que até invadem o reino dos velhos afetos, extirpados no início do empreendimento de superação. O coração tem suas razões, que a razão não entende. Mas a inteligência também tem seu jeito de amar, como talvez o coração não saiba.

(Revista JONS, nº 16, abril de 1934)

A Guarda de Ferro Romena, A Doutrina da Legião - Lucian Tudor

Antes de abordar a história do Movimento Legionário, é importante esclarecer o que ele ensinou a seus membros e quais eram seus objetivos ...