segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Diretrizes Fundamentais do Trabalhismo Brasileiro


Justificação

O programa do Partido Trabalhista Brasileiro, fundado em março de 1915, tinha em vista, em muitas das suas disposições, a nova ordem constitucional que se iria instituir. A preocupação fundamental do
Partido, preocupação justa e legítima, era que não fossem diminuídos os direitos e as garantias assegurados aos trabalhadores pela legislação trabalhista do Presidente Getúlio Vargas.

Com a promulgação da Constituição, em 18 de setembro de 1946, numerosos itens do programa trabalhista tiveram acolhida nos textos constitucionais. Trata-se, portanto, atualmente, de tornar efetivos esses preceitos.

Das circunstâncias apontadas surge a necessidade de uma revisão do programa do Partido, suprimindo disposições já corporificadas em princípios da nossa organização política e incluindo outros que melhor caracterizem a índole de nosso Trabalhismo, configurem os seus objetivos, as suas diretrizes, a sua orientação e o localizem dentro dos sistemas econômicos e sociais que se defrontam no mundo.

Poderíamos admitir que existem atualmente três sistemas ou regimes fundamentais: - o capitalismo, o socialismo e o comunismo. Pondo de lado este último, cuja tática e cujos processos não se poderiam coadunar com a ideologia Trabalhista, é de perguntar qual o regime preconizado pelo Trabalhismo brasileiro, se o capitalismo ou o socialismo. Sobre esse ponto não existem idéias muito claras, o que impõe a necessidade de fixar a verdadeira doutrina e as soluções que se formulam para os nossos problemas fundamentais.


Os objetivos básicos do Trabalhismo


O objetivo básico do trabalhismo, em todo o mundo, é a organização da sociedade de tal forma que se assegure a crescente eliminação da usura social. E preciso que essa expressão “usura social” seja compreendida no seu verdadeiro sentido e que se não confunda com “usura monetária” (isto é, a cobrança de juros excessivos sobre empréstimos), que é apenas uma modalidade de “usura social”.

Existe usura social quando as relações econômicas entre os membros de uma sociedade não estão baseadas nos princípios da justiça social, tais como hoje os formulamos e admitimos. A usura social é o que comumente se costuma denominar “exploração do homem pelo homem” e que todos reconhecem que deve ser banida do seio da sociedade.

A coletividade humana, do ponto de vista econômico, é baseada na troca: troca de utilidades por utilidades, de utilidades por serviços, de serviços por serviços. O homem vive em sociedade justamente por não ser autossuficiente. A sociedade é, portanto, uma forma de cooperação e a atividade de cada um deve ser uma atividade cooperante, isto é, não deve ter apenas um sentido de utilidade individual, mas também um sentido de utilidade social. A forma individual da cooperação, é o trabalho. Eis porque a sociedade, em última análise, é um intercâmbio de trabalho, intercâmbio que, nas modernas coletividades humanas, assume as formas mais variadas e complexas.

Desde logo seria lícito concluir que poderia haver, na sociedade, duas formas de usura social: uma, conseguindo uns os meios de viver sem a prestação de um trabalho socialmente útil, e outro conseguindo obter esses meios sem que haja uma correspondência entre eles e o valor social do trabalho produzido. 

Há usura social toda vez que uns vivem à custa do trabalho alheio ou que as relações de trabalho (ou de intercâmbio de trabalho) ferem os princípios da equidade, tais como são hoje compreendidos.

Se, por exemplo, alguém tem a seu serviço outras pessoas e lhes paga salários miseráveis, obtendo à custa do trabalho das mesmas, bons resultados econômicos, pratica uma forma de usura social. Toda vez que as remunerações de determinadas formas de atividade não correspondem ao grau de sua utilidade coletiva, há usura social.

Aqueles, por exemplo, que, no sistema baseado na iniciativa privada, (sistema capitalista) combinam os fatores da produção (empresários ou capitalistas), fazem jus a uma remuneração (lucro) pela iniciativa, organização, direção e risco dos empreendimentos. Se, porém, para obterem maiores benefícios, explorarem o trabalhador e o consumidor, cometem uma forma de usura social. O lucro que deriva da atividade empreendedora, deduzida aquela parcela que se pode considerar a justa remuneração do empreendedor, deve ser invertido na aplicação da empresa ou em novos empreendimentos.

Relativamente, à remuneração de atividades, poderíamos dizer que há duas formas de usura social: uma positiva e outra negativa. Há usura positiva quando alguém obtém ganhos que estão acima do valor social de sua atividade ou trabalho; há usura negativa, quando os ganhos são inferiores ao valor social do trabalho. No conjunto das relações sociais, as duas formas de usura, são necessariamente correlatas, isto é se há exploradores há, necessariamente explorados.

Suponhamos uma sociedade de três indivíduos, onde dois trabalham e produzem e o terceiro nada faça, e não obstante, percebe os mesmos benefícios. Tal sociedade seria justa? Evidentemente não esse terceiro estaria exercendo uma espécie de usura sobre os demais. 

Quando, pois, se afirma que o objetivo fundamental do trabalhismo, em todo o mundo, é a redução senão a eliminação crescente da usura social, a palavra “usura” é empregada no sentido indicado. Mas existem modos diversos de chegar a esse resultado. Sabemos que há os que consideram o lucro uma forma de usura social e entendem, por isso, que a sociedade deve ser organizada de forma que o lucro seja eliminado. 

Sabemos também que o lucro é o objetivo do empreendimento privativo do capitalista.

O capitalista é o proprietário dos meios de produção, isto é, da terra, dos estabelecimentos industriais, das máquinas, dos instrumentos de trabalho, das matérias primas - enfim, do capital. Mas, os meios de produção precisam ser acionados pelo braço e pela inteligência do homem. São os trabalhadores que os acionam e aos quais o empregador paga determinado salário. Afirma-se que a remuneração paga ao trabalhador nunca corresponde mas é sempre inferior à sua contribuição real para a produção e que, dessa forma, o empregador como que se apropria de uma parcela desse trabalho, deixando de remunerá-la. O lucro, por exemplo, em última análise, nada mais seria do que essa parcela de trabalho que não é remunerada, o que constituiria uma modalidade de usura social.

Afirma-se, além disso, que a produção capitalista visa exclusivamente o lucro, ao passo que a produção deve ter em vista a satisfação de necessidades humanas. 

A forma preconizada para eliminar todos esses inconvenientes seria a socialização dos meios de produção. Nessas condições, os meios de produção deixariam de ser propriedade individual ou privada para tornar-se propriedade social ou coletiva. Deixando de existir o empreendimento privado mas sendo este organizado pelo Estado, deixaria também de existir o lucro, e, consequentemente, a exploração do trabalhador. Dessa forma, afirma-se, a produção se realizaria para o consumo e não para o lucro e o trabalhador receberia, pelo menos teoricamente, o valor integral do seu trabalho. 

E assim que muitos apontam o socialismo como um meio de eliminar certos elementos de usura social (ou conseguir o máximo dessa eliminação) considerando-se como tais, a intermediação ou a exploração privada dos meios de produção, distribuição e troca.

Pondo de lado quaisquer considerações sobre a orientação filosófica de certas formas de socialismo, mas encarando apenas o tipo de estrutura econômica que ele apresenta com o objetivo de obter a eliminação crescente da usura social ou da exploração do homem pelo homem, deveremos observar que, no Brasil, não existiriam condições materiais, objetivas, nem condições psicológicas e políticas para a instituição do socialismo, isto é, não lograria aqui alcançar os objetivos visados. 

Fazendo sempre abstração de quaisquer considerações de caráter filosófico, que aqui não interessam, é preciso observar que socialização "a posteriori" pressupõe sempre algo que se possa socializar. E necessário um certo desenvolvimento industrial, que não existe no Brasil, e que esse desenvolvimento tivesse atingido aqueles limites em que já não seria conveniente que se mantivesse sob o regime da iniciativa privada.

Pretender, por outro lado, criar um desenvolvimento econômico, sob a forma socialista, seria, no Brasil, um contrassenso. Nem existem meios técnicos, nem meios financeiros, nem educação para tal empresa.

Isso não significa que o Estado, em certos casos, não deva tomar a iniciativa dos empreendimentos econômicos, sobretudo quando estes transcendem os limites das possibilidades ou das conveniências do empreendimento privado. Para isso, porém, é sempre necessária uma preparação técnica e o treinamento de homens que sejam capazes de dirigir, com elevado espírito público, empresas dessa natureza.

Possuímos, sem dúvida, bom material humano, mas este, geralmente, não é aproveitado pelos que governam o país. Enquanto não se modificar a mentalidade dominante não temos esperança de que, sob este aspecto, a situação se possa modificar. Será esse, portanto, um cometimento mais para as novas gerações.

Vê-se, pois, que, embora o objetivo fundamental do trabalhismo possa ser o mesmo em todo o mundo, a maneira de atuar e realizar-se, será diferente conforme as condições peculiares e o grau de civilização e cultura de cada país. Na Inglaterra, o trabalhismo é socialista. No Brasil, não poderia sê-lo pela ausência dos pressupostos. 

A economia socialista é uma técnica, não um fim. Poderá dar, eventualmente, bons resultados em países evoluídos social e materialmente, mas daria resultados negativos em países como o nosso, que figura entre os mais atrasados do planeta. Será desnecessário esclarecer que nos referimos aqui a um socialismo do tipo do trabalhismo inglês e não a outras formas de socialismo. 

A soma dos ganhos de todos os indivíduos de um país é o que poderemos chamar, de uma maneira simplista, a renda nacional, que não deve ser confundida com renda ou receita pública. O trabalhismo sustenta o princípio de que nenhum ganho é justo desde que não corresponda a uma atividade socialmente útil. Eis porque a renda nacional deve ser distribuída e aplicada de tal forma que se atenda a esse princípio. Nem sempre o que constitui um ganho legal é um ganho justo. No sistema da livre iniciativa, é difícil evitar essas injustiças na sua origem. Cumpre, por isso, ao Estado corrigi-las. E essa a função social precípua do Estado. Todo ganho deve estar sempre em função do valor social do trabalho de cada um. Onde há ganhos sem trabalho, há parasitismo e usura social. 

Essa é a razão pela qual também poder aquisitivo e trabalho deveriam ser expressões equivalentes. 

A renda nacional é resultado do trabalho produtivo. A distribuição dessa renda, porém, nem sempre é feita na proporção desse trabalho. E preciso, pois, que cada um dela participe na justa proporção do seu trabalho, isto é, na justa proporção dos benefícios com que contribuiu para a coletividade. Trabalho significa aqui qualquer forma de atividade socialmente útil e não apenas o trabalho assalariado. Onde há ganhos que não correspondam a um trabalho ou atividade útil, há, como observamos, usura social, o que significa, pura e simplesmente, que uns se locupletam à custa do trabalho de outros. 

Poderíamos, pois, resumir os princípios gerais do trabalhismo nos seguintes termos: 

a) o trabalho é a fonte principal e originária de todos os bens produzidos. A função destes é a satisfação de necessidades. O valor dos bens reside, portanto, na sua utilidade e no trabalho que concorre para produzi-los; 

b) a coletividade humana é um sistema de cooperação. A cooperação realiza-se pelo trabalho e para que a cooperação de cada membro da coletividade se torne efetiva, é necessário que se traduza por uma atividade socialmente útil, isto é, que traga benefícios não apenas a quem exerce mas também aos demais membros da coletividade e contribua, por esta forma, para o aumento do bem-estar geral; 

c) a forma de cooperação é um intercâmbio de trabalho. Quem de útil nada produz nada tem para permutar; 

d) o poder aquisitivo deve ser a contrapartida do trabalho socialmente útil. Esse trabalho é o único e verdadeiro lastro da moeda. A posse de poder aquisitivo, que não deriva dessa forma de trabalho, representa uma apropriação injusta do trabalho alheio e caracteriza-se como usura social; e)o objetivo fundamental do trabalhismo deve ser a eliminação crescente da usura social e alcançar uma tal organização da sociedade onde todos possam realizar um trabalho socialmente útil de acordo com as suas tendências e aptidões, devendo a remuneração graduar-se pelo valor social desse trabalho, com a garantia de um mínimo dentro dos padrões da nossa civilização, para as formas de trabalho menos qualificado. 

A função precípua do Estado deve ser hoje a realização da justiça social. Se a justiça social, como comumente se admite, se traduz por uma eqüitativa distribuição da riqueza, isto significa simplesmente que, garantido um mínimo fundamental, a participação de cada um no produto social (isto é, no acervo dos bens produzidos) deve estar em relação ao valor social do seu trabalho, isto é, ao grau de sua contribuição para a produção desses bens e para o bem-estar geral. Essa parece ser a essência do trabalhismo.

Há uma tarefa social, que incumbe à sociedade ou à organização e outra que é individual. A organização econômica e social deve assegurar um padrão objetivo mínimo, elevando-o sempre mais à medida que a ciência e a técnica criam novos meios de bem-estar. Deve-se assegurar a cada um a oportunidade efetiva (isto é, de meios) de ascender na escala dos padrões sociais de viver em segurança quando já não possa trabalhar. Ao indivíduo caberá utilizar os meios que são postos à sua disposição pela sociedade.

Vê-se, portanto, que o trabalhismo, quanto aos seus postulados e objetivos humanitários, é uma doutrina social: quanto aos meios e procedimentos para alcançar esses objetivos, é uma técnica econômica que se deverá socorrer dos dados e dos ensinamentos dos diferentes ramos da Economia. Politicamente, o trabalhismo é um movimento de opinião tendente a obter a consecução dos seus objetivos através da ordem e do mecanismo jurídico-constitucional, isto é, através dos poderes do Estado. Os objetivos finais do trabalhismo são os mesmos em todo o mundo. As soluções concretas é que podem variar de acordo com as circunstâncias de tempo e de lugar. Na realidade, o trabalhismo somente poderá encontrar a sua integral realização no dia em que os seus princípios dominarem em todas as grandes nações que controlam a vida internacional, o que determinará, necessariamente, a eliminação do armamentismo, que é uma das principais causas de usura social, de mal-estar e empobrecimento dos povos.

A cooperação que deve existir entre os membros de uma coletividade nacional deve existir também entre os membros da comunidade internacional. Os princípios são os mesmos, o que significa que o trabalhismo abrange também a ordem internacional. 

Trabalhismo, Socialismo, Capitalismo

O trabalhismo não é, pois, necessariamente, um movimento socialista. Como vimos, o socialismo não é um fim, mas um meio, isto é, uma forma de organização econômica tendo em vista a eliminação da usura social.

Abstraindo das diferentes concepções socialistas - incompatíveis com os princípios cristãos quando têm caráter materialista - e considerando socialismo simplesmente a socialização dos meios de produção, de circulação e de troca, mediante uma planificação da economia, observamos que o sistema seria inexequível num país como o Brasil. 

Devemos, pois, permanecer no sistema da iniciativa privada, isto é, no regime capitalista. Mas, se é conveniente que se mantenham em seus delineamentos gerais, a estrutura do regime capitalista, isso não significa que seja qualquer tipo de capitalismo que o trabalhismo possa admitir e defender. Em primeiro lugar, o trabalhismo brasileiro não poderia solidarizar-se com um capitalismo de caráter individualista e parasitário; em segundo lugar, há certas atividades e empreendimentos, certas riquezas e certas formas de poder econômico que devem ser socializados.

Nos sistemas individualistas, o capital visa exclusivamente o lucro, que poderá proporcionar a seus detentores possibilidades de consumo sem limites, à custa do produto social, isto é, do trabalho do proletariado. O trabalhismo não poderá admitir tal forma de capitalismo. Para o trabalhismo, o capital deve ser um conjunto de meios instrumentais ou aquisitivos, dirigidos e coordenados embora pela iniciativa e atividade privadas, tendo em vista o desenvolvimento da economia, e o bem-estar coletivo. Consequentemente, o lucro não deverá ser O produto da exploração do trabalhador, mas, deduzida a justa remuneração do empresário, deverá constituir aquela parte do produto social que é invertida para a criação de novas riquezas e produção de bens. O capital de caráter meramente especulativo e explorador não poderia encontrar guarida e tolerância no verdadeiro pensamento trabalhista.

O capital é um conjunto de meios destinados à produção, à circulação e à troca. Uma fábrica é capital, uma estrada de ferro também o é. Não se pode ser contra o capital, o que seria absurdo. O capitalismo, porém, é uma relação de propriedade ou de exploração do capital. Se essa propriedade ou essa exploração são exercidas contra o interesse coletivo, o capitalismo é, evidentemente, um mal que deve ser combatido. Na constituição do capital há sempre uma parcela de usura do trabalho, e que é representada por aquela parte que está cristalizada no aparelhamento produtor. 

Se alguém por exemplo, por meio de um empréstimo, constrói e instala uma fábrica, esse empréstimo terá que ser amortizado com os lucros do empreendimento. Ora, o lucro representa a não remuneração de uma parcela de trabalho e um sacrifício do consumidor. Para simplificar a idéia, suponhamos que um sapateiro tome a seu serviço um oficial. Se lhe pagasse, como salário, o que ele realmente produz, o dono da oficina não teria resultado algum. Isso significa que, para que o sapateiro tenha lucro, é necessário que o empregado ganhe menos do valor que realmente produz.

Com relação ao lucro que invertido, essa usura existirá em qualquer sistema. O capital é uma acumulação de lucro, isto é, de trabalho não remunerado. No sistema socialista de economia, o capital não se constitui através do lucro ou rendimento privado, mas através de taxação. Ora, a taxação produz idêntico efeito, pois equivale a uma redução do salário nominal. Se alguém, por exemplo, percebe mil cruzeiros mensais, mas tem que pagar duzentos cruzeiros de impostos, o salário real estará reduzido a oitocentos cruzeiros.

Se o Estado socialista pagasse ao trabalhador o valor integral do trabalho, não poderia haver inversões, isto é, não seria possível constituir o aparelhamento produtor e os demais meios correlatos, isto é, o capital. 

A parte do lucro, que é invertida, não representa uma injustiça social. Pode haver injustiça na parcela do lucro que é consumida pelo capitalista, sempre que o consumo exceda os limites razoáveis da remuneração devida à atividade empreendedora. 

O problema, pois, não é o da existência ou supressão do lucro e sim o de sua aplicação. 

O capitalismo, portanto (isto é, a exploração privada dos meios de produção, circulação e troca) será injusto na medida em que proporcione, a alguns, possibilidades de consumo sem limites, à custa do produto social, isto é, do trabalho; será nocivo, na medida em que, para alcançar essas possibilidades, use de métodos e processos anti-sociais; será, por fim, inconveniente na medida em que tumultue o processo econômico, dando lugar às crises periódicas ou ciclos conjunturais, que são uma conseqüência natural da liberdade de iniciativa e da livre concorrência.

E de perguntar como será possível corrigir, praticamente, as injustiças e inconveniências do regime capitalista. 

Poder-se-á responder que, se não é possível eliminá-las, será sempre possível atenuá-las.

Taxar, por exemplo, os rendimentos, e aplicar o produto da taxação em inversões socialmente úteis será uma forma de canalizar o lucro e os rendimentos capitalistas para as suas verdadeiras finalidades. Taxar fortemente os artigos de luxo é, em geral, o supérfluo, e, com o produto da taxação custear serviços de assistência social, será outra forma de corrigir certas injustiças. Será uma maneira de obrigar os que podem adquirir o supérfluo a contribuir para resolver os problemas daqueles que não têm o necessário. E apenas isso que pretende o trabalhismo, isto é, tornar efetiva a solidariedade social.

Onde o sistema socialista de economia desse piores resultados que o capitalista, não haveria conveniência em substituir este por aquele. Suponhamos, por exemplo, que, numa fábrica, os operários ganhem, em média, x e o patrão lucre y. Com sua socialização, poder-se-á, sem dúvida, abolir o lucro, mas se a fábrica passar a ter uma administração pior, de modo que se encarecerá o custo da produção e do modo que a eliminação do lucro, nem aproveite ao operário nem ao consumidor, quais seriam as vantagens da socialização? Se a eliminação do lucro nem fizesse aumentar o salário do trabalhador, bem diminuísse o preço para o consumidor, a abolição do lucro seria perfeitamente inútil. A socialização só poderia dar resultados quando a administração daí empresa socializada pudesse ser mais eficiente do que a empresa privada. Para isso, porém, seria necessário um alto nível de educação social, que não existe ainda na maior parte dos homens. 

A socialização integral dos meios de produção, no estado atual da humanidade, poderia trazer ainda outros inconvenientes, pois o Estado se tornaria todo-poderoso e seria difícil encontrar homens perfeitos para geri-lo. É certo que a tendência é para aumentar as funções do Estado, evoluindo da função simplesmente policial à função social e à função econômica. Essa evolução, porém, está condicionada a um maior grau de perfeição dos homens

Por outro lado, não será demais observar que, se a forma socialista da produção pode ser desaconselhada, não será para atender aos interesses capitalistas, mas para atender ao maior interesse da própria coletividade.

Será desnecessário esclarecer que há setores da economia onde a socialização ou a estatização se impõe. Não há hoje países onde impere o puro regime capitalista. Há países de economia exclusivamente socialista e países de economia mista. 

PASQUALINI, Alberto. Bases e Sugestões para uma política social. Porto Alegre, O Globo, 1948.  


 

 




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