terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Princípios da Organização Econômica do Estado Novo - Azevedo de Amaral

 


(Trecho do livro O Estado Autoritário e a Realidade Nacional, Azevedo de Amaral, cap. VI)

Os mesmos traços diferenciais profundos, nítidos e inconfundíveis, que verificamos existir entre o novo Estado brasileiro e as organizações políticas do tipo totalitário, comunista ou fascista, iremos encontrar em relação à estrutura e ao sentido da organização econômica prescrita pela Constituição de 10 de Novembro. O Estado totalitário, em qualquer das suas modalidades, é invariavelmente orientado pela ideia da subalternização das atividades econômicas ao ritmo do poder político, decorrendo desse princípio fundamental do totalitarismo a redução maior ou menor da esfera das iniciativas e das atividades individuais no que se relaciona com a produção e distribuição da riqueza. 

Realmente, o que caracteriza a organização econômica do Estado totalitário é o postulado da negação implícita do direito dos indivíduos ou dos grupos formados na sociedade a desenvolver qualquer forma de atividade produtora fora da órbita traçada pelo Estado. Em uma sociedade submetida ao comunismo ou ao fascismo, toda a atividade econômica pertence virtualmente ao Estado e o que é deixado como campo da ação individual o é a título precário. De fato, as liberdades concedidas ao indivíduo e às organizações privadas representam apenas uma tolerância, uma situação transitória admitida como consequência da incapacidade temporária do Estado de ocupar-se diretamente daquele setor particular da economia.

Tanto na Rússia bolchevista como na Itália fascista, deparam-se nos confirmações do que acabamos de dizer. Se no primeiro dos casos citados a extensão do poder estatal ao campo econômico foi realizada de modo mais acelerado e abrangendo desde o início um círculo muito mais amplo de atividades, na Itália, o processo de subordinação das iniciativas e dos interesses privados à órbita da ação do Estado, por ser mais lento e desenvolvido com mais prudência, nem por isso deixou de patentear de modo análogo a identidade de orientação do fascismo e do comunismo em matéria de organização econômica. Não é inoportuno acrescentar que a acentuação desse movimento para, a absorção, pelo Estado, de esferas cada vez mais variadas e importantes da atividade privada tem sido ,muito considerável na Itália durante os últimos anos. E quando o Estado fascista não incorpora certos setores da economia nacional à órbita da sua ação direta, a compressão por ele exercida sobre as atividades ali desenvolvidas representam de modo inequívoco a crescente subordinação da economia privada ao controle esmagador do poder público.

Nada disso encontraremos no Estado autoritário instituído no Brasil. O princípio fundamental, pelo qual se orientou o legislador constituinte na elaboração dos dispositivos atinentes à ordem econômica foi o da intervenção estatal nessa esfera com o objetivo de coordenar os interesses privados em um sistema equilibrado no qual sejam antes e acima de tudo salvaguardadas as conveniências do bem público. Cabe ao Estado atuar no jogo das relações econômicas que se processam na vida social, corrigindo abusos, reajustando situações prejudiciais ao interesse coletivo, amparando certos grupos de interesses contra a pressão exagerada de outras forças econômicas que os poderiam prejudicar injustamente. A função estatal na ordem econômica obedece portanto às diretrizes derivadas do postulado básico da ideologia do novo regime, isto é, que o Estado, sendo a expressão orgânica da Nação, está investido de autoridade absoluta para coordenar, ajustar e equilibrar as correntes de qualquer natureza que se justaponham no jogo do dinamismo social. 

Mas, nessa aplicação aos fatos econômicos do princípio que define o traço mais característico do poder estatal e da sua função, nada há que implique na compressão esmagadora das iniciativas e das atividades individuais. Destacando-se inconfundivelmente do ponto de vista em que se colocam as organizações nacionais totalitárias em face dos problemas contidos na ordem econômica, o Estado Novo brasileiro, explicitamente e até com certa solenidade, consagra no art. 135 da Constituição o princípio do valor primacia1, do indivíduo como elemento produtor da riqueza.

Os termos em que essa ideia é ali definida são tão significativos e insofismáveis que é interessante citar textualmente o aludido dispositivo constitucional: “Na iniciativa individual, no poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo, nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional”. Seria impossível exprimir em linguagem mais clara os elementos essenciais do conceito individualista da ordem econômica criada pelo estatuto de 10 de Novembro.

Mas o reconhecimento do indivíduo como base de todo processo de produção da riqueza e de desenvolvimento da prosperidade é, no texto citado, sujeito logo a uma ressalva que atribui ao bem público relevância superior a quaisquer outras considerações ditadas pelas conveniências do interesse privado. A Constituição atribui ao indivíduo um papel precisou e insubstituível no encadeamento orgânico da economia nacional. Entretanto, as aptidões individuais, mencionadas como fatores primaciais em todo o jogo das atividades econômicas, só podem ser exercidas nos limites do bem público.

A doutrina fundamental da ordem econômica do Estado Novo está assim condensada e expressa naqueles termos do art. 135 da Constituição. O poder estatal nenhum embaraço opõe ao surto livre das atividades individuais e reconhece que as faculdades aplicadas no exercício daquelas atividades representam os fatores insubstituíveis no determinismo da expansão da riqueza coletiva. Fica, contudo, desde logo afirmado que os indivíduos, atuando isoladamente ou em grupos, têm de subordinar as suas aptidões e os seus interesses ao ritmo imposto pelo bem geral de que o poder publico é o assegura permanente.

Constituição de 1937:
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1930-1939/constituicao-35093-10-novembro-1937-532849-publicacaooriginal-15246-pl.html

 

 

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