Os mesmos traços diferenciais profundos, nítidos e inconfundíveis, que
verificamos existir entre o novo Estado brasileiro e as organizações políticas
do tipo totalitário, comunista ou fascista, iremos encontrar em relação à
estrutura e ao sentido da organização econômica prescrita pela Constituição
de 10 de Novembro. O Estado totalitário, em qualquer das suas modalidades,
é invariavelmente orientado pela ideia da subalternização das atividades
econômicas ao ritmo do poder político, decorrendo desse princípio
fundamental do totalitarismo a redução maior ou menor da esfera das
iniciativas e das atividades individuais no que se relaciona com a produção e
distribuição da riqueza.
Realmente, o que caracteriza a organização econômica do Estado totalitário é
o postulado da negação implícita do direito dos indivíduos ou dos grupos
formados na sociedade a desenvolver qualquer forma de atividade produtora
fora da órbita traçada pelo Estado. Em uma sociedade submetida ao
comunismo ou ao fascismo, toda a atividade econômica pertence virtualmente
ao Estado e o que é deixado como campo da ação individual o é a título
precário. De fato, as liberdades concedidas ao indivíduo e às organizações
privadas representam apenas uma tolerância, uma situação transitória
admitida como consequência da incapacidade temporária do Estado de ocupar-se diretamente daquele setor particular da economia.
Tanto na Rússia bolchevista como na Itália fascista, deparam-se nos
confirmações do que acabamos de dizer. Se no primeiro dos casos citados a
extensão do poder estatal ao campo econômico foi realizada de modo mais
acelerado e abrangendo desde o início um círculo muito mais amplo de
atividades, na Itália, o processo de subordinação das iniciativas e dos
interesses privados à órbita da ação do Estado, por ser mais lento e
desenvolvido com mais prudência, nem por isso deixou de patentear de modo
análogo a identidade de orientação do fascismo e do comunismo em matéria
de organização econômica. Não é inoportuno acrescentar que a acentuação
desse movimento para, a absorção, pelo Estado, de esferas cada vez mais
variadas e importantes da atividade privada tem sido ,muito considerável na
Itália durante os últimos anos. E quando o Estado fascista não incorpora
certos setores da economia nacional à órbita da sua ação direta, a compressão
por ele exercida sobre as atividades ali desenvolvidas representam de modo
inequívoco a crescente subordinação da economia privada ao controle
esmagador do poder público.
Nada disso encontraremos no Estado autoritário instituído no Brasil. O
princípio fundamental, pelo qual se orientou o legislador constituinte na
elaboração dos dispositivos atinentes à ordem econômica foi o da intervenção
estatal nessa esfera com o objetivo de coordenar os interesses privados em um
sistema equilibrado no qual sejam antes e acima de tudo salvaguardadas as
conveniências do bem público. Cabe ao Estado atuar no jogo das relações
econômicas que se processam na vida social, corrigindo abusos, reajustando
situações prejudiciais ao interesse coletivo, amparando certos grupos de
interesses contra a pressão exagerada de outras forças econômicas que os
poderiam prejudicar injustamente. A função estatal na ordem econômica
obedece portanto às diretrizes derivadas do postulado básico da ideologia do
novo regime, isto é, que o Estado, sendo a expressão orgânica da Nação, está
investido de autoridade absoluta para coordenar, ajustar e equilibrar as
correntes de qualquer natureza que se justaponham no jogo do dinamismo
social.
Mas, nessa aplicação aos fatos econômicos do princípio que define o traço
mais característico do poder estatal e da sua função, nada há que implique na
compressão esmagadora das iniciativas e das atividades individuais.
Destacando-se inconfundivelmente do ponto de vista em que se colocam as organizações nacionais totalitárias em face dos problemas contidos na ordem
econômica, o Estado Novo brasileiro, explicitamente e até com certa
solenidade, consagra no art. 135 da Constituição o princípio do valor
primacia1, do indivíduo como elemento produtor da riqueza.
Os termos em que essa ideia é ali definida são tão significativos e
insofismáveis que é interessante citar textualmente o aludido dispositivo
constitucional: “Na iniciativa individual, no poder de criação, de organização
e de invenção do indivíduo, nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a
prosperidade nacional”. Seria impossível exprimir em linguagem mais clara
os elementos essenciais do conceito individualista da ordem econômica criada
pelo estatuto de 10 de Novembro.
Mas o reconhecimento do indivíduo como base de todo processo de produção
da riqueza e de desenvolvimento da prosperidade é, no texto citado, sujeito
logo a uma ressalva que atribui ao bem público relevância superior a
quaisquer outras considerações ditadas pelas conveniências do interesse
privado. A Constituição atribui ao indivíduo um papel precisou e
insubstituível no encadeamento orgânico da economia nacional. Entretanto, as
aptidões individuais, mencionadas como fatores primaciais em todo o jogo
das atividades econômicas, só podem ser exercidas nos limites do bem
público.
A doutrina fundamental da ordem econômica do Estado Novo está assim
condensada e expressa naqueles termos do art. 135 da Constituição. O poder
estatal nenhum embaraço opõe ao surto livre das atividades individuais e
reconhece que as faculdades aplicadas no exercício daquelas atividades
representam os fatores insubstituíveis no determinismo da expansão da
riqueza coletiva. Fica, contudo, desde logo afirmado que os indivíduos,
atuando isoladamente ou em grupos, têm de subordinar as suas aptidões e os
seus interesses ao ritmo imposto pelo bem geral de que o poder publico é o
assegura permanente.
Constituição de 1937:
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1930-1939/constituicao-35093-10-novembro-1937-532849-publicacaooriginal-15246-pl.html
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