segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Saudação ao Presidente Getulio Vargas, Alberto Pasqualini

[O começo do discurso trata-se de comentários sobre a administração do Estado do Rio Grande do Sul, do qual, omitimos]

Por esses princípios temos orientado a nossa ação e é sob a inspiração deles, Sr. Presidente, que desejamos continuar a prestar-vos o nosso leal concurso na objetivação do vosso e do nosso grande sonho e que é a construção moral e material de uma grande e forte nação. Grande e forte, não para oprimir outras nações, mas para cooperar com elas na realização dos grandes ideais da humanidade. 

É também com essa disposição de ânimos que estamos decididos a praticar o Estado Novo porque o compreendemos e o interpretamos não apenas como alteração de organização política, mas, principalmente, como renovação de mentalidade, de orientação governamental e de métodos de administração. Estes devem assentar em princípios técnicos, devem ser ditados pelo interesse público e não por conveniências pessoais ou político-partidárias. 

A própria constituição política do país deve ser o sistema fundamental dos processos técnico-jurídicos mais aptos a realizar o constante ajustamento da sociedade às novas condições espirituais e materiais da vida. O Estado é a integração desses processos e está para a coletividade como o sistema nervoso para os seres animados. Ele deve, portanto, ser estruturado de tal forma que permita a pronta e rápida percepção das necessidades de todas as partes do organismo social e assegure a rapidez das reações específicas destinadas a satisfazê-las. O Estado é, essencialmente, um órgão de ajustamento e equilíbrio social. 

Nos organismos superiores, quando há falhas no sistema de relação e de coordenação, dá-se a ruptura do equilíbrio entre o organismo e o meio, o que pode acarretar o prejuízo e até a destruição daquele. Fenômeno análogo acontece com as sociedades quando há defeitos no seu aparelhamento de defesa e no seu mecanismo de adaptação nos diferentes momentos históricos do processo evolutivo. 

Creio ser essa a filosofia do Estado Novo e sua justificação histórica. 

Ele não é uma ameaça à liberdade individual, mas pretende ser a garantia da liberdade dentro dos princípios da justiça social e dos interesses nacionais. 

Não pode haver liberdade para a prática da injustiça e da iniquidade. O individualismo exagerado conduz à opressão dos fracos e é uma tese da plutocracia. O outro extremo, a anulação do indivíduo e o aniquilemos da personalidade, é obra da barbaria e do despotismo. A personalidade e a dignidade humanas devem ser respeitadas, a liberdade individual precisa ser assegurada, mas a medida e o critério da liberdade é o interesse social. O indivíduo é livre, porém ele deve ver e medir a sua liberdade não com seus olhos e as suas medidas, mas com os olhos e o estalão da coletividade. 

Esses postulados acham-se inscritos na Constituição de 10 de novembro de 1937. Como consequência lógica, instituiu ela os processos considerados mais adequados a garantir a sua execução prática. Se o Estado Nacional é forte, ele o é para defender o direito e não para destruí-lo. O direito, porém, que ele defende é o conjunto das condições que garantem a cada um uma justa parcela na distribuição dos bens da civilização. 

Afirma-se que um dos característicos do Estado Nacional é o de ser autoritário. Este qualitativo exige interpretação. Autoritarismo não é aqui, como vulgarmente se supõe, sinônimo de arbítrio e ilegalismo. Estado autoritário é o Estado provido dos meios eficazes do cumprimento de sua missão. Estado autoritário é sinônimo de Estado ativo em contraposição ao passivismo determinado pela supremacia do indivíduo. 

A ampliação da esfera da atividade estatal é uma decorrência do ritmo, do estilo da vida moderna e da complexidade crescente dos seus problemas. Estado autoritário não significa, pois, arbítrio governamental, mas uma maior sensibilidade e uma maior reatibilidade no ajustamento contínuo dos interesses individuais aos interesses coletivos. 

Somos democratas e o nosso regime é democrático, mas a democracia não deve proceder como o homem insensato da Escritura que foi aconchegar e aquecer ao calor do peito as víboras que encontrara enregeladas no caminho. 

A democracia, se quiser sobreviver, deve ser menos piedosa e, diante dos perigos que a ameaçam, munir-se dos necessários meios de defesa. 

A nossa época é essencialmente socialista, e o nosso socialismo, o socialismo brasileiro, não se caracteriza pela trituração do indivíduo na máquina do Estado, mas pela cooperação harmônica das partes com o todo. O Estado é o órgão que realiza o sistema da cooperação nacional. 

Na essência de todas as concepções e movimentos políticos sociais modernos é essa a ideia fundamental que reponta e que procura consubstanciar-se. Existe no mundo uma aspiração generalizada, um desejo, um ideal de justiça social em busca das formas de materializar-se. Esse sentimento tem força muito superior aos interesses e às vontades individuais e vai abrindo caminho por entre as resistências do egoísmo como a planta por entre as pedras que a oprimem no solo onde brota. Felizes os povos quando homens superiores de aguçada esthesia política, sintonizam com esse ideal e o realizam sem perturbar o ritmo social. Desgraçadas as nações quando lhe servem de médium naturezas deformadas e patológicas, cujas reações desordenadas e cujos excessos podem comprometer a própria civilização. Essas nações, como pêndulos violentamente sacudidos, oscilarão em busca de equilíbrio até que desapareça a mão que as conturba. 

A vossa sensibilidade política. Senhor Presidente, pressentiu, na agitação do mundo, o ponto de equilíbrio, sem oscilar nos extremos. Em linguagem hegeliana, poderíamos dizer que, no panorama político social - brasileiro de 1937, o individualismo era a tese; os extremismos, a antítese; vós. Senhor Presidente, realizastes a síntese. 

Extraordinárias - escreveu Cícero na República - são as transformações e as mudanças cíclicas que se operam nas estruturas dos Estados. Estudá-las é função do sábio; pressenti-las, prevê-las. moderar-lhes a eclosão e ritmar-lhes o curso, é missão de um grande estadista inspirado por Deus. 

Nenhuma doutrina política é totalmente verdadeira nem totalmente falsa. A sabedoria consiste precisamente em extrair e aproveitar de cada uma o seu teor de conveniência e de justiça. 

O regime instituído pela Constituição de 1937 é capitalista. Mas não totalmente capitalista, porque não admite o predomínio do capital sobre o trabalho, nem a exploração do fraco pelo forte. As relações entre o capital e o trabalho estão assentadas num plano de harmonia e cooperação e não de subordinação. Em princípio, os meios de produção são privados. Pode, porém, o Estado, em determinadas circunstâncias, quando o interesse nacional o exige, subtrair esses meios da livre concorrência e socializá-los. 

O regime instituído pela Constituição de 1937 é corporativista. Não é, porém, totalmente corporativista, porque o seu corporativismo é econômico e não político. 

O regime instituído pela Constituição de 1937 é democrático, mas a democracia não é ultra individualista, liberal e contemplativa. E ela lateralmente temperada pela instituição corporativa e, centralmente, pelo intervencionismo estatal e pelo reforçamento do Poder Executivo. 

Se alguém perguntasse se é este o regime verdadeiro responderíamos que, filosoficamente, a pergunta não tem sentido, porque não há, em tese, regimes verdadeiros ou falsos. Há regimes que convêm ou não convêm a um determinado momento histórico, que se adaptam ou não se adaptam a uma determinada nação. 

Os regimes políticos, como instrumentos de adaptação do organismo social às condições históricas, são funções do espaço e do tempo, variam, alteram-se, retificam-se, aperfeiçoam-se. E necessário até que haja um certo coeficiente de elasticidade para facilitar em todas as circunstâncias essa adaptação. 

Uma carta política define-se, pois, pelas suas coordenadas históricas e deve ser julgada, dentro do espírito e das necessidades da época, pelas suas ideias nucleares, pelas suas diretrizes fundamentais, pelo seu conteúdo social. 

Creio que a melhor apologia que se possa fazer da Carta constitucional de 1937, como estruturação política e social reclamada pelo momento histórico, seja dizer-se que os seus princípios basilares já se haviam imposto entre nós muito antes de ser ela outorgada. 

Se fosse lícito ao humilde intérprete do Departamento ilustrar a tese com uma documentação pessoal, pediria vénia para repetir as seguintes palavras proferidas no momento em que um grupo de moços cheios de ideais e de ilusões transpunha os umbrais da academia e tomava uma atitude diante dos problemas da vida. 

“Estamos vivendo o período de doutrinação que precede às grandes transformações sociais. A consciência coletiva já começa a perceber que a organização política e econômica da sociedade atual não corresponde às suas necessidades materiais e aos seus postulados morais." 

Nenhum homem, sincero e probo, poderá assegurar que a constituição política da sociedade moderna e o seu regime econômico estejam calcados sobre a ideia de utilidade geral, de bem coletivo, que constituem o ideal de justiça. Só os espíritos superficiais, ou os caracteres torpemente egoístas, poderão considerar justa a situação de milhões de desafortunados a quem uma organização social deficiente e aberrante da equidade dá, em troca de trabalho e de sofrimento, a incerteza do pão de cada dia. 

Não. A justiça não é a utilidade do mais forte, como proclamava cinicamente o sofista interlocutor de Sócrates. 

A justiça deve ser, como a definiu o filósofo que a história apelidou divino, a expressão da harmonia universal. Para que reine a ordem e a harmonia na sociedade é necessário que se a reforme, que se não pretenda, levianamente, deter a evolução que normalmente se deve operar. E preciso orientar e dirigir as forças sociais, perscrutando e prevendo cientificamente o termo a que se dirige. E mister não obstar-lhes insensatamente o desdobramento, para que, acumuladas e potencializadas, não explodam formidáveis e irresistíveis, revertendo violentamente instituições e arruinando coletividades. 

Em todos os momentos históricos da sociedade, em todos os pontos da curva evolutiva, a sua constituição econômica e política deve ser a mais adequada à diferenciação das funções que nela se opera e ao desdobramento rítmico de todas as atividades. Se a harmonia cessa de existir, se se rompe o equilíbrio funcional, a sociedade, necessariamente, se perturba e se debate, como sucede nas regiões atmosféricas, quando o equilíbrio barométrico agita as camadas aéreas, deslocando-as, revolvendo-as, convulsionando-as, desencadeando, enfim, os tufões e as tempestades. 

É necessário que a organização econômica, o regime da produção, o sistema político e jurídico evolviam incessantemente com a própria sociedade. Mas o processo deve ser lento e progressivo. 

Não é de crer-se, por isso, que esse objetivo possa ser alcançado com programas trágicos e com revoluções apocalípticas; com doutrinas que pretendam destruir e aniquilar, em vez de integrar e construir; com sistemas que visem eliminar uma das causas de injustiça social, implantando outra, quiçá mais perigosa e mais temível. A revolução é sempre o equivalente da opressão e, portanto, padece dos mesmos erros, dos mesmos vícios e das mesmas iniquidades. 

Há, por outro lado, quem entendia que o máximo que se podia atingir, econômica e politicamente, foi alcançado pela Revolução Francesa, que proclamou a igualdade de todos perante a lei. criando a democracia baseada no conceito de cidadão. 

Esquecem, porém, como observa vim sociólogo moderno, que o cidadão, como ente primogênito da soberania política, não existe nem pode existir nos tempos atuais. O cidadão, como expressão política, só era possível na antiguidade clássica, porque o trabalho produtor era exclusivamente realizado pelos escravos, permitindo aos civis, uma intensa e exclusiva atividade política. 

Hodiernamente, o cidadão é uma ficção legal, porque, sob as suas aparências, existe a realidade que é o indivíduo, como elemento integrante de um sistema econômico diverso. E preciso, pois, descobrir uma organização social que, sob o ponto de vista econômico, seja baseada na realidade da produção, e, sob o ponto de vista político, seja a expressão de ficções legais, metafísicas, mas de todas as atividades ou funções orgânicas da sociedade. 

Só assim se realizará a justiça econômica, a justiça política, a justiça social, que sempre foi o ideal dos filósofos e o ideal consciente ou subconsciente da sociedade.” 

Essas palavras, pronunciadas há quase doze anos, constituem um indício de que, já antes da Revolução de 1930, tinham curso entre a mocidade as ideias que deveriam mais tarde encontrar expressão na Carta de 1937 e na admirável e avançada legislação social do País. 

Mas se os regimes, seja qual for a sua natureza e o seu estilo, são funções do espaço e do tempo, algo deve ser invariante em todos eles; logo, é o próprio espírito que os toma fecundos e sem o que não passarão de fórmulas estéreis e vazias. Esse algo, esse quid vivificador, é a vontade firme e constante dos governantes e governados, de praticá-los honesta e sinceramente e de orientar no serviço da Pátria os seus pensamentos e as suas ações sub spicieaeternitates. A pátria é eterna e está acima dos homens e de suas criações efémeras, como o firmamento está acima das nuvens que às vezes o toldam e o obscurecem mas que em seguida se desfazem tangidas pelo vento. 

Esses são os propósitos, esses são os sentidos, que nesta hora. Senhor Presidente, unem a todos os rio-grandenses de boa vontade. 

Extirpado o caudilhismo, que menos nos oprimia do que nos desagradava, transformou-se o potencial de nossas energias polêmicas em energias orgânicas de trabalho e de reconstrução. O Rio Grande transfigurou-se. O Rio Grande das turmas rodoviárias, das fanfarronices e das ameaças ridículas, o Rio Grande caudilhesco - revivescência anacrônica e caricatural de tempos heróicos - esse Rio Grande desapareceu para sempre e jamais reviverá, porque o Rio Grande, sem deixar de ser heróico, quer ser aquilo a que o votou a sua destinação histórica: uma expressão racional de trabalho, de cultura e de civilização. 

A quem deve o Rio Grande a realização do seu maravilhoso destino? 

Responde o povo. Senhor Presidente, nas consagrações que vos tem tributado. Ele vos diz que enquanto a gratidão não se apagar do coração dos homens, a sua dívida para conosco será imprescritível e irresgatável. 

Quando aqui lutávamos não pela supremacia de partidos ou de homens, o que seria substerno, mas para integrar o Rio Grande na civilização, a mocidade nos exortou: “libertai o Rio Grande e tereis o seu coração!” 

Vós acudistes e aqui tendes nossos corações, são corações altivos, e por isso mesmo, corações leais. 

Corações altivos, sim, corações altivos! Porque não seria digno de um grande e nobre chefe comandar homens que não marchassem de cabeça erguida e não trouxessem nos lábios o que sentem no coração! 

O Rio Grande contou convosco numa das horas mais sombrias do seu destino. Podeis estar certo de que essa certeza jamais vos decepcionará! 

PASQUALINI, Alberto. A homenagem do Departamento Administrativo ao Chefe da Nação. Correio do Povo, Porto Alegre, 17 nov.1940.p. 7,13

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