sábado, 24 de setembro de 2022

A Essência do Trabalhismo, Alberto Pasqualini, 1950

 

A essência do trabalhismo está fio reconhecimento de que o único critério justo de qualquer remuneração ou de qualquer ganho deve residir no valor social do trabalho de cada um.

O primeiro postulado trabalhista foi enunciado no dia em que o Criador disse ao homem: in sudore vultus tiu vesceris pane. “Ganharás o pão com o suor do teu rosto”. Desde então se tornou contrário à lei divina ganhar o pão e as comodidades da vida com o suor de rostos alheios. 

Sabemos que a sociedade tem as suas raízes orgânicas na simpatia e na solidariedade. A vida social deve ser essencialmente atividade cooperante. A parte deve cooperar com o todo para que o todo possa garantir a sobrevivência, a segurança e o bem-estar de cada uma das partes. Eis por que a vida social no seu aspecto econômico fundamental, assim como se acha organizada nas coletividades civilizadas, é uma troca constante de utilidades e serviços, em última análise um intercâmbio de trabalho. 

É o trabalho a fonte originária e primacial dos bens e é, portanto, o trabalho a causa principal do valor de quase todos os bens. Donde se pode concluir que a única moeda legítima que deve possibilitar o acesso aos bens ou a sua aquisição é o trabalho que concorreu, direta ou indiretamente, para a sua produção. Também se poderia concluir que a participação de cada um no produto social, representado pelo acervo dos bens produzidos, deveria estar em proporção à utilidade social do seu trabalho, isto é, deveria ser graduada pelo maior ou menor benefício que trouxe para a coletividade. 

O trabalho a que aqui nos referimos significa qualquer gênero de atividade de que possa resultar em benefício econômico e, portanto, monetariamente mensurável a quem exerce. Os resultados de uma atividade podem ser úteis ao indivíduo, mas prejudiciais ou indiferentes para a coletividade. A utilidade social do trabalho se medirá pela maior ou menor soma de benefícios que proporcionar à coletividade.

Poderíamos dizer que o valor social do trabalho está em função de sua utilidade social e de sua qualificação. O trabalho, portanto, deveria ser remunerado em função do seu valor social. Na realidade, porém, isso não acontece. 

Frequentemente, a atividade socialmente menos útil é a que rende mais ou recebe maior remuneração. Isso proporciona a alguns a posse injusta de poder aquisitivo permitindo-lhes disputar com vantagens sobre os demais, o produto social isto é, a soma de bens produzidos e existentes. 

Vemos frequentemente muitos indivíduos que enriquecem ou que desfrutam de um alto nível de existência, sem terem prestado ou sem prestarem nenhum trabalho socialmente útil. Quem por exemplo, ganha numa negociata ou simplesmente num negócio de pura especulação dez milhões, obtém, praticamente um poder aquisitivo objetivo, donde a razão pela qual o trabalhismo não é, necessariamente, um movimento socialista. A economia socialista é apenas uma técnica, não um fim, técnica que poderia eventualmente, dar bons resultados em países evoluídos socialmente e materialmente, como a Inglaterra e os Estados Unidos mas que, possivelmente daria resultados negativos em países atrasados. 

O trabalhismo na sua primeira fase ou forma elementar, é um conjunto de reivindicações quanto às garantias jurídicas do trabalho proletário. Essa primeira fase já foi ultrapassada praticamente em todos os países civilizados e as garantias do trabalho se acham incorporadas não apenas à legislação específica de cada país, mas também aos textos constitucionais. São, portanto, conquistas definitivas que se sedimentam na estrutura orgânica das nações. Entre nós, esses princípios fundamentais se acham, hoje, inscritos no artigo 157 da Constituição. 

Na segunda fase as reivindicações trabalhistas concernem à própria organização econômica da coletividade, visando, precisamente, reduzir sempre mais, se não eliminar todas as causas e fatores de usura social, de modo que o intercâmbio se opere sempre entre formas de trabalho socialmente útil e de modo que todo ganho e toda disponibilidade de poder aquisitivo seja a contrapartida dessa espécie de trabalho ou atividade. 

Todo ganho que não corresponda a um trabalho socialmente útil (que se pode denominar ganho improdutivo), tenderá a piorar as condições de existência social e a agravar os desníveis e as injustiças existentes. 

Os princípios fundamentais do trabalhismo poderiam, pois, ser assim resumidos: 

a) o trabalho é a fonte principal e ordinária dos bens produtivos. A função destes é a satisfação de necessidades. O valor dos bens reside, portanto, na sua utilidade e no trabalho que concorre para produzi-los; 
b) a coletividade humana é um sistema de cooperação. A cooperação se realiza pelo trabalho e para que a cooperação de cada membro da coletividade se tome efetiva, é necessário que se traduza por uma atividade socialmente útil, isto é, que traga benefícios não apenas a quem exerce, mas também aos demais membros da coletividade e contribua desta forma para o aumento do bem-estar geral; 

c) a forma de cooperação é um intercâmbio de trabalho. Quem de útil nada produz nada de útil tem para permutar; d) o poder aquisitivo deve ser a contrapartida do trabalho socialmente útil. Esse trabalho é o único e verdadeiro lastro da moeda. A posse de poder aquisitivo que não derive dessa forma de trabalho, representa uma apropriação injusta do trabalho alheio e se caracteriza como usura social; 

e) o objetivo fundamental do trabalhismo deve ser a eliminação crescente da usura social e alcançar uma tal organização da sociedade onde todos possam realizar um trabalho socialmente útil de acordo com as suas tendências e aptidões, devendo (...) equivalente ao salário anual de mil trabalhadores. O dinheiro dos operários representa trabalho, trabalho produtivo, duro e penoso. E esse trabalho o lastro do seu salário ou dos seus ganhos. O dinheiro do negocista, do agiota, do intermediário desnecessário, do burocrata inútil, do parasita, não tem lastro algum. E como moeda falsa. Entretanto, tem o mesmo poder aquisitivo. O que ganhou dez milhões num negócio escuso pode adquirir o produto do trabalho de centenas de trabalhadores, isto é, pode trocar uma atividade socialmente inútil, senão prejudicial, pelo trabalho útil de centenas de pessoas. 

Poderia parecer, à primeira vista, que os milhões ganhos pelo intermediário ou agiota, em nada podem prejudicar os que realizam um trabalho socialmente útil. Pensar assim seria um engano, pois é evidente que numa sociedade baseada na troca, quem de útil nada produz, nada tem de útil para permutar. Se, não obstante, dispõe de poder aquisitivo, a posse desse poder é socialmente injusta e ilegítima. 

Numa sociedade organizada de acordo com os princípios da justiça social, o acesso ao poder aquisitivo não deveria ser possível sem a realização de um trabalho socialmente útil. 

A essência do trabalhismo está no reconhecimento de que o único critério justo de qualquer remuneração ou de qualquer ganho deve residir no valor social do trabalho de cada um. 

Eis por que o trabalhismo deve propender, para uma organização social em que se reduzam cada vez mais os elementos de usura social, se eliminem os ganhos que não correspondam a um trabalho socialmente útil, devendo a escala dos ganhos estar na relação do valor social de cada espécie de trabalho, valor que, como observamos, é a função de sua utilidade social, de sua qualificação e, eventualmente, do risco. 

Se o valor social do trabalho depende de sua utilidade, é evidente também que depende da natureza e da massa das necessidades existentes em uma determinada coletividade. 

Poderá, portanto, variar de acordo com as condições de tempo e de lugar. 

Muitos consideram o socialismo como um meio de eliminar certos elementos de usura social, considerando-se como tal à intermediação ou a exploração privada dos meios de produção, distribuição e troca. Nem sempre, porém, essa eliminação alcança satisfatoriamente essa remuneração e graduar-se-á pelo valor social desse trabalho, com a garantia de um mínimo dentro dos padrões da nossa civilização, para as formas de trabalho menos qualificado. 

A função precípua do Estado deve ser hoje a realização da justiça social. Se a justiça social, como comumente se admite, se traduz por uma equitativa distribuição de riqueza, isto significa, simplesmente, que garantido um mínimo fundamental, a participação de cada um no produto social (isto é, no acervo dos bens produzidos) deve estar em relação ao valor social do seu trabalho, isto é, ao grau de sua contribuição para a produção desses bens e para o bem-estar geral. Essa parece ser a essência do trabalhismo. 

Há uma tarefa social que incumbe à sociedade ou à organização, e outra que é individual. A organização econômica e social deve assegurar um padrão objetivo mínimo, elevando-o sempre mais à medida que a ciência e a técnica criam novos meios de bem-estar. Deve-se assegurar a cada um a oportunidade efetiva (isto é, meios) de ascender na escala dos padrões sociais e de viver em segurança quando já não possa trabalhar. Ao indivíduo caberá utilizar os meios que são postos à sua disposição pela sociedade. 

Vê-se, portanto, que o trabalhismo, quanto aos seus postulados e objetivos humanitários, é uma doutrina social; quanto aos meios e procedimentos para alcançar esses objetivos, é uma técnica econômica que se deverá socorrer dos dados e dos ensinamentos dos diferentes ramos da economia. Politicamente, o trabalhismo é um movimento de opinião tendente a obter a consecução dos seus objetivos através da ordem e do mecanismo jurídico-constitucional, isto é, através dos poderes do Estado. 

Os objetivos finais do trabalhismo são os mesmos em todo o mundo. As soluções concretas é que podem variar de acordo com as circunstâncias de tempo e de lugar. Na realidade, o trabalhismo somente poderá encontrar a sua integral realização no dia em que os seus princípios dominarem em todas as grandes nações que controlam a vida internacional, o que determinará, necessariamente, a eliminação do armamentismo, que é uma das principais causas de usura social, de mal-estar e empobrecimento dos povos. 

A cooperação que deve existir entre os membros de uma coletividade nacional deve existir também entre os membros da comunidade internacional. Os princípios são os mesmos, o que significa que o trabalhismo abrange também a ordem internacional. 

Como conclusão final poderemos observar que o trabalhismo, sem uma base e um conteúdo filosófico, social e econômico e sem um conjunto de soluções inspiradas em seus princípios, não passará de um vistoso rótulo colocado num frasco vazio. 

Bibliografia:
PASQUALINI, Alberto. A essência do trabalhismo. Diário de Noticias, Porto Alegre, 28fev. 1950, p. 2,16. 


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